“Muita surpresa”. Foi desta forma que o criminologista José Manuel Anes, com carreira feita em diversos organismos ligado à segurança e criminalidade, reagiu à decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa de alterar a medida de coação de Mário Machado – que o obrigava a apresentações periódicas quinzenais na esquadra da sua área de residência –, e que permitiu ao neonazi deslocar-se até à Ucrânia para combater contra os russos.
Convidado, esta semana, do Irrevogável, programa de entrevista da VISÃO, José Manuel Anes abordou a guerra e consequentes impactos e riscos deste conflito para a segurança de Portugal e da Europa, destacando que “não faz sentido estar a libertar (…) um criminoso [Mário Machado], condenado por várias ofensas, por razões humanitárias”, referindo que o neonazi nem deve reunir “condições” para ingressar na Legião Internacional ou em qualquer outra milícia pró-Ucrânia, devido ao seu cadastro criminal.
Co-fundador do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), a par do ex-ministro Rui Pereira, José Manuel Anes destacou que o exemplo da participação de combatentes estrangeiros na Ucrânia – que se estimam ser, neste momento, cerca de 20 mil – pode, de facto, no pós-guerra, “tornar-se um problema de segurança” para a Europa e para o mundo, “quando estes indivíduos decidirem regressar aos seu Países de origem”.
“O problema da extrema-direita já existia antes do conflito na Ucrânia: lembro-me de atentados nos Estados Unidos, na Noruega ou na Nova Zelândia, mas não tenho dúvidas nenhumas que, se estes indivíduos passam as fronteiras (…), a experiência de treino militar e de combate na Ucrânia será, no pós-guerra, mais um problema a acrescentar aos que a extrema-direita já coloca ao mundo ocidental”. “É preciso ter cuidado, pois podemos estar a alimentar o monstro no seio dos nossos Países”, afirma.
Sobre os voluntários portugueses no palco de guerra, José Manuel Anes refere que “estão por sua conta e risco e são responsáveis pela sua segurança”, considerando ser “praticamente impossível” ao governo ou autoridades portuguesas conseguirem acompanhar e, eventualmente, terem meios que permitam evacuar, em caso de necessidade, esses cidadãos nacionais.
Alertando que “é importante não confundir os russos, com a estratégia militar e expansionista de Moscovo”, o criminologista considera que, neste momento, o “mais preocupante” é o projeto expansionista de Vladimir Putin, que, diz, pode chegar aos Países Bálticos, como Estónia e Letónia, tendo em conta a visão do “dono” do Kremlin em relação “às numerosas comunidades russófonas” que existem nesses Países.
Morte de PSP é “lamentável e preocupante”
Nesta entrevista, José Manuel Anes abordou, ainda, as agressões violentas que vitimaram fatalmente o PSP Fábio Guerra, de apenas 26 anos, ocorridas no passado fim-de-semana. O especialista considera que “não há aumento quantitativo do crime violento” em Portugal, mas chama a atenção que têm sido registados “casos mais violentos e mortíferos”. “É lamentável e preocupante”, acrescenta.
Perante o sentimento de desconfiança no seio das forças de segurança, que voltou a surgir na sequência deste caso, Anes destaca que “existe um problema” que tem de ser rapidamente resolvido. “Os baixos salários que as forças de segurança auferem têm de ser revistos. É, sem dúvida, muito desmotivante e preocupante. É difícil, mas temos de tentar”, afirma.