O debate entre os 12 candidatos à câmara de Lisboa, transmitido pela RTP, esta quarta-feira, a partir do Pavilhão Carlos Lopes, teve o condão de desenhar uma linha ao centro que, conscientemente ou não, uniu toda a esquerda em torno da governação de Fernando Medina na autarquia da capital – abrindo espaço a acordos alargados após as eleições de 26 de setembro.
O primeiro (e último) debate com todos os candidatos à câmara de Lisboa – Fernando Medina (PS), Manuela Gonzaga (PAN), Bruno Horta Soares (Iniciativa Liberal), Carlos Moedas (PSD, CDS-PP, MPT e Aliança), João Ferreira (CDU), Beatriz Gomes Dias (BE), Nuno Graciano (Chega), Bruno Fialho (PDR), João Patrocínio (Ergue-te!), Ossanda Liber (Somos Todos Lisboa), Sofia Afonso Ferreira (Nós, Cidadãos) e Tiago Matos Gomes (Volt) – permitiu, igualmente, aos partidos menos mediáticos inusual tempo de antena, quase sempre bem aproveitado.
O formato – um contrarelógio de quase duas horas – retirou, porém, tempo e espaço a Carlos Moedas, que se revelou mais “apagado” que no anterior frente a frente com Fernando Medina. O candidato social-democrata escusou-se a confrontar o atual presidente da autarquia da capital com a maior parte dos temas que têm marcado a agenda da sua candidatura (como é o caso dos problemas relacionados com a pandemia ou nas áreas da habitação e da mobilidade).
Governação: união à esquerda
A governação de Fernando Medina na câmara de Lisboa, nos últimos quatro anos, colocada sob análise, logo no arranque do debate, teve mais o condão de unir do que de separar. Pelo menos, no que diz respeito à esquerda.
Fernando Medina aproveitou a ocasião para criar “pontes” – admitindo que “não foi pelo PS que a plataforma “Mais Lisboa” não é mais abrangente”, o atual presidente da câmara de Lisboa colocou mesmo em cima da mesa a possibilidade de estabelecer novos acordos após as eleições de 26 de setembro; a exemplo do que aconteceu, em 2017, com o Bloco de Esquerda. Em resposta, Beatriz Gomes Dias sublinhou que o BE “não se arrepende, pelo contrário,” do acordo feito à época. “Estamos muito orgulhosos do trabalho que foi feito nestes quatro anos” – dando assim margem a novo acordo.
Na fila dos compromissos, seguiu-se João Ferreira, que deu um passo atrás “envergonhado”. Embora afirmando que a sua candidatura “corporiza assumidamente uma visão alternativa para Lisboa”, o candidato da CDU não deixou cair por completo a declaração que já havia feito no debate anterior, onde não excluiu a possibilidade de um acordo com o PS, nem em vir a aceitar pelouros. A própria Manuela Gonzaga, do PAN, não fechou a porta a Medina. “Os consensos são possíveis desde que quem governe dê prioridade a assuntos como o direito das pessoas, dos animais e as questões ambientais” – e, neste último ponto, o programa de Medina aposta forte.
Na sua reação, Carlos Moedas revelou confiança, afirmando acreditar estar “cada vez mais perto de ultrapassar Fernando Medina”, como “mostram as sondagens”. O candidato apoiado por PSD, CDS-PP, MPT e Aliança diz confiar no “cansaço de 14 anos de governação PS (…) sem liderança, sem gestão”. “Uma viragem” que, segundo Moedas, vai permitir dar um sinal ao país.
Os outros candidatos, aproveitando a evidente clivagem, lançaram para a mesa a carta da independência. Bruno Horta Soares (Iniciativa Liberal) deu o mote: “Fica a sensação que a esquerda concorre para combater a direita, a direita concorre para combater a esquerda. Nós não somos direita, não somos esquerda, somos liberais. Por isso, acreditamos que o voto útil é no primeiro vereador liberal”.
Bruno Fialho (PDR) disse que o seu partido é “o único com propostas para a cidade”. Tiago Matos Gomes (Volt) referiu que o seu partido “não quer fazer política da forma que se tem feito”. E a independente Ossanda Líber (do movimento “Somos Todos Lisboa”) acusou os adversários “de serem motivados por interesses partidários”.
Sem surpresa, o tema da corrupção voltou a surgir. Sofia Afonso Ferreira (Nós, Cidadãos) antecipou-se aos partidos da extrema-direita que, de guião em punho, não ficaram atrás nas intervenções de Nuno Graciano (Chega) e João Patrocínio (Ergue-te!).
Ambiente: aposta (quase) unânime
Se o telespectador só tivesse ligado a televisão a meio do debate e, nesse momento, desse de caras com a intervenção de João Patrocínio sobre as alterações climáticas, duvidaria estar perante um debate com vista à corrida à presidência da câmara de Lisboa. O discurso negacionista do candidato do Ergue-te! serviu como ponto de partida para as propostas – muitas delas sólidas – dos restantes candidatos.
Sofia Afonso Ferreira (Nós, Cidadãos) voltou a acertar no timing, levando para a discussão a poluição provocada pelos navios de cruzeiro que, a ritmo diário, chegavam a Lisboa no período pré-pandemia. Tiago Matos Gomes (Volt) insistiu numa aposta verde, dando como exemplo capitais europeias como Ljubliana, e sublinhou problemas relacionados com a limpeza urbana (ou a falta dela) da cidade.
As críticas às ciclovias fizeram-se ainda ouvir, mas, desta vez, de forma menos vincada. A descarbonização, com a eliminação de veículos poluentes na cidade, e uma aposta reforçada nos transportes públicos, foi defendida de forma (praticamente) unânime.
Carlos Moedas viveu, nesta fase do debate, o seu melhor momento, “libertando-se” e acusando Medina de “não ouvir as pessoas na busca de soluções”. “Deve-se construir soluções com as pessoas. Descarbonizar a cidade, com parques de estacionamento para automóveis, às portas de Lisboa, e depois ter transportes públicos que funcionem”, afirmou. Já Medina, embora valorize no seu programa a aposta na descarbonização, sentiu o “toque” perante as críticas ao aeroporto e ao terminal de cruzeiros, defendendo que é necessário “garantir que Lisboa continua a ser um destino turístico atrativo”. E recordou que já existe uma solução para o problema a nível europeu: “Lisboa tem de cumprir uma diretiva europeia, que define como funcionam os cruzeiros nas cidades, e que prevê a eletrificação dos cruzeiros em 2022”.
Mobilidade: ciclovias (voltam) a dvidir
Fernando Media é o primeiro a ter a palavra neste tema e reclama para si o projeto de uma cidade a fazer a transição para a mobilidade – “há quatro anos, na campanha, este tema foi caricaturado como se fosse impossível andar de bicicleta na cidade”, mas hoje é um assunto central com todos os candidatos a discutir o assunto. O atual autarca concede que “estamos ainda a meio de um processo”, todavia rejeita, por exemplo, que as ciclovias tenham sido pensadas em cima do joelho ou que se tenha descurado a circulação dos peões.
A esquerda insiste que o segredo para garantir mais mobilidade na cidade está na melhoria da rede de transportes públicos, com consequências na redução do impacto ambiental. “Uma visão integrada”: pede João Ferreira, o candidato da CDU, que se declarou contra a obra da linha circular de metro e que propõe, em vez disso, “levar o metro às zonas onde ele ainda não existe”. A bloquista Beatriz Gomes Dias, por sua vez, defendeu a gratuitidade dos transportes públicos para todos.
Já Sofia Afonso Ferreira (Nós, cidadãos) – que também se mostrou contra a construção da linha circular do metro – trouxe a ideia de prolongar as atuais linhas vermelha e amarela. Ossanda Liber (Somos todos Lisboa) dedicou a sua intervenção à defesa da complementaridade entre transportes, chamando a atenção para o desfasamento dos horários e as ausências prolongadas aos fins-de-semana. E Manuela Gonzaga (do PAN) acrescentou que os transportes têm de ser adaptados a pessoas com deficiência e às bicicletas.
Ainda sobre mobilidade, Carlos Moedas mostrou-se preocupado com a divisão entre o rio Tejo e a cidade, nomeadamente, do Cais do Sodré até Algés. E deu duas hipóteses: “enterrar a linha [de comboio] que vem de Cascais ou ter uma linha de metro de superfície”. O candidato social democrata regressou hoje também ao tema das ciclovias “mal construídas”, no seu entender, por meterem em causa a segurança dos ciclistas e dos peões e preconizou uma “auditoria imediata feita pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil”.
Mais radical, Bruno Fialho (PDR) prometeu acabar com “estas ciclovias construídas no ultimo ano”, que “só prejudicam os lisboetas”. Nuno Graciano (Chega) concordou que “a maior parte da ciclovias são um empecilho para os lisboetas” e, apesar de não se declarar anti-ciclovias, optou por defender o “direito a ter carro” . Para compensar o ambiente, “tem de se arborizar mais”, continua.
João Patrocínio (Ergue-te!) foi o candidato que mais destoou ao dizer que é mesmo contra as bicicletas, que “descaraterizam Lisboa completamente”.
Turismo e a Habitação: AL na mira
Temas transversais a todos os debates sobre Lisboa, a habitação e o turismo não receberam o destaque habitual e inclusive ficaram por ouvir as opiniões de alguns dos candidatos. Tiago Matos Gomes (do Volt) trouxe uma proposta para a habitação pública baseada em cooperativas de casas a preços acessíveis e em parcerias com universidades para a criação de mais residências universitárias.
Por sua vez, Bruno Horta Soares (Iniciativa Liberal), que tem uma visão radicalmente oposta, acusou a esquerda de tentar “chantagear os proprietários de alojamentos locais para os porem à disposição para arrendamento”.
Já o candidato do Chega apontou que “o alojamento local deve continuar a existir, mas tem de respeitar regras, como a traça arquitetónica lisboeta”. Nuno Graciano reconheceu que o turismo “trouxe coisas muito boas” à capital portuguesa, mas esta nem sempre soube comportar-se à altura dos turistas que recebe, dando como exemplo a falta de limpeza das ruas e a insegurança.
Fernando Medina reafirmou a necessidade de um equilíbrio entre o “destino turístico atrativo” e a qualidade de vida dos lisboetas, apresentando como solução a limitação dos alojamentos locais.
Qual seria a sua primeira medida?
O debate terminou com um desafio. Cada um dos 12 candidatos teve a oportunidade de esgotar o seu derradeiro minuto dizendo qual seria a sua primeira medida, caso na manhã do dia 27 de setembro entrassem pela porta principal dos Paços da capital para ocuparem a cadeira do poder. Ficam aqui as respostas.
Fernando Medina (PS)
“O que gostaria de fazer era poder encerrar os centros de vacinação, homenagear os milhares de trabalhadores do município que durante estes quase dois anos asseguraram a cidade, quando havia medo, incerteza. Quando não havia vacinas, e asseguraram que os serviços funcionassem, asseguraram testagem, criaram programa inovadores de apoio à economia, à restauração, ao pequeno comércio, criaram uma rede de distribuição de refeições – levando mais de quatro milhões de refeições a casa das pessoas. Agradecer a esses trabalhadores seria a primeira coisa que faria”.
Carlos Moedas (PSD, CDS-PP, MPT e Aliança)
“Os mais velhos, os mais desfavorecidos e os mais jovens. Os mais velhos com um plano de saúde para que possam ter consultas gratuitas, quando não têm o Serviço Nacional de Saúde – há 90 mil lisboetas sem médico de família. Os mais desfavorecidos, com o escândalo que hoje existe nos bairros municipais, onde há 1.600 fogos que estão fechados, e esses fogos têm de ser dados às famílias e quero fazê-lo de imediato. Aos mais novos, é preciso dar esperança. Trazer para Lisboa o que é a minha experiência de criar a Capital da Inovação da Europa e atrair para aqui o talento europeu, para que possa criar emprego e permitir aos jovens que não saiam de Portugal e criem aqui as suas empresas. Sou o único candidato aqui que pode fazer isso, pois só o único que está em posição de tirar Fernando Medina da câmara municipal”.
Beatriz Gomes Dias (BE)
“O Objetivo é continuar o trabalho que temos feito ao longo dos últimos quatro anos. Lisboa é uma cidade extraordinária, muito diversa, mas também é uma cidade desigual e injusta, e é preciso um trabalho que iniciámos para poder corrigir essas desigualdades e alterar o paradigma da cidade, que está muito centrada nos negócios e menos nas pessoas. A cidade foi sempre evoluindo quando temos uma visão e políticas exigentes, e a nossa experiência na vereação nestes quatro anos deu-nos essa capacidade de perspetivar o futuro, de pensar uma cidade e de a concretizar. Uma dessas medidas é garantir casa que as pessoas possam pagar, requalificar os bairros municipais e acabar com a separação entre estes bairros e a cidade. E também garantir transportes públicos e criar condições para haver cultura em todas as freguesias”.
João Ferreira (CDU)
“Reunir com os trabalhadores e serviços da autarquia. Eles têm de ser devidamente valorizados e a primeira coisa seria valorizá-los e motivá-los para um projeto de transformação positiva da cidade – em áreas de competência municipal: limpeza e higiene urbana, cuidar do espaço público, gerir os espaços verdes, a proteção civil, em domínios como a cultura, o desporto, as áreas sociais, mas também no urbanismo e habitação. E há tanto por fazer nestas áreas. Esta deve ser uma cidade onde deve haver lugar para todos, também para a juventude. A CDU foi pioneira na criação de um pelouro da juventude (…) se algumas medidas emblemáticas fazem sentido talvez esta pudesse ser uma das primeiras”.
Manuela Gonzaga (PAN)
“Lisboa é multicultural, isso está na sua história desde o início, e, portanto, estou completamente ciente dessa riqueza que significa a cidade de Lisboa. A política não tem saído do gabinete, nós temos programas de futebol todos os dias, todas as semanas, a falarem de tudo e mais alguma coisa, e a política, que é o nosso assunto, o nosso tema, de quatro em quatro anos, talvez se fosse uma [eleição] de seis em seis meses tivéssemos mais hipóteses. É absolutamente incrível, nem que fosse criar um canal na câmara municipal. Não deixar Lisboa perder mais gente, Lisboa é sangrada de gente todos os dias, o crescimento é negativo – morrem mais pessoas do que nascem bebés. Gabinete de crise para saber quem é que está com ordem de despejo (…) constituir uma capital de sonho, onde se possam sonhar e debater assuntos”.
Bruno Horta Soares (Iniciativa Liberal)
“No próximo dia 27 serei o primeiro vereador liberal – assim queiram os lisboetas – da câmara de Lisboa, não vou ser presidente. E, como vereador, vou desafiar os meus colegas de vereação a fazer o que se faz quando se quer modernizar uma organização: criar um programa de 100 dias que termina no dia 9 de janeiro de2022. Mas também dar confiança às empresas, baixando a derrama para 0%, dar confiança às famílias, aumentando a devolução do IRS para 5%, e dar confiança à Assembleia Municipal de Lisboa, posicionando o provedor do munícipe debaixo daqueles deputados municipais, que são o órgão de fiscalização da câmara”.
Nuno Graciano (Chega)
“A primeira coisa era não me sentar no gabinete. É preciso cortar gorduras na câmara de Lisboa – há assessores a mais, há serviços a mais, há taxas a mais. Há PS, PCP e Bloco de Esquerda a mais na câmara há muitos anos. O que faria era continuar a ouvir os lisboetas para, então com os lisboetas, devolvendo Lisboa aos lisboetas, fazendo uma câmara que não seja fechada dentro de si própria, e que esteja ao serviço dos lisboetas”.
Sofia Afonso Ferreira (Nós, Cidadãos)
“Criar um portal da transparência, penso que isso está muito ligado à aérea do urbanismo, daí o problema das casas ser insolúvel (…) Só me falta ir à embaixada da Rússia, que deve lá estar qualquer coisa (…) É preciso fazer o levantamento disto tudo, para perceber o que falhou”.
Bruno Fialho (PDR)
“Limpar a câmara de Lisboa, de cima a baixo, dos boys, que aplicam taxas e taxinhas. Quando Medina vai de visita à Ilha do Pico “foge” de pagar dez euros para subir à montanha, mas obriga os lisboetas de pagarem tudo e mais alguma coisa. Isto, se não é uma incoerência total, acho que alguém está muito equivocado como presidente da maior câmara do país”.
Ossanda Liber (Somos Todos Lisboa)
“Irei focar-me no problema principal dos lisboetas: a habitação. A habitação, para nós, é um direito essencial, e a câmara de Lisboa tem o dever de o resolver. Começaríamos por aplicar quatro medidas: a colocação dos imóveis devolutos da câmara ao serviço dos lisboetas; criação de um seguro de garantia (para os proprietários serem ressarcidos em caso de incumprimento por parte do inquilino); a requalificação do bairros degradados; e dar visibilidade aos investidores a médio e a longo prazo”.
João Patrocínio (Ergue-te!)
“Seria não cair no ridículo de não saber o que se passa lá [na câmara de Lisboa] dentro, que é o que acontece com Fernando Medina. Não sabe nada de nada, não sabe quem foi, e depois culpa um assessor. E saber quem está lá e o que está lá a fazer. A gestão de uma câmara é como uma empresa (…) não pode estar aqui a arranjar trabalhinho para o amigo do amigo (…) servir-se dos serviços da câmara e das empresas da câmara para se perpetuar no poder. E isto a câmara com Fernando Medina”.
Tiago Matos Gomes (Volt)
“Começar a criar condições para que os lisboetas comecem a participar nas decisões da cidade. Primeiro, com a criação de uma assembleia de cidadãos, em que o executivo se compromete a aceitar as decisões, e começar a aplicar os orçamentos participativos. De 2018 a 2019, dos 19 projetos, ficaram 19 projetos por executar – 100% dos projetos não foram executados; de 2017 a 2015, 12 dos 15 projetos não foram executados”.