A notícia de que a Câmara de Lisboa se prepara para abater os jacarandás da Avenida 5 de Outubro caiu como uma bomba e gerou um movimento que levou mais de 48 mil pessoas a assinar uma petição para impedir a remoção das árvores durante a construção de um parque de estacionamento. A indignação provocada pelo anúncio do corte de 22 árvores levou o presidente Carlos Moedas a dar uma entrevista à SIC Notícias na qual garantia que a decisão tinha sido tomada pelo executivo de Fernando Medina. “A questão é que aquele projeto foi aprovado muito antes de eu chegar. É um projeto que não tem que ver com este executivo da Câmara, que esse sim previa abater 75 [jacarandás]”, disse Moedas à SIC. Mas a VISÃO teve acesso a um parecer da Câmara que mostra que os serviços propunham a alteração do projeto do parque de estacionamento para manter as árvores.
O parecer foi emitido pela Direção Municipal de Ambiente, Estrutura Verde, Clima e Energia da Câmara Municipal de Lisboa (CML) a 14 de março de 2019. Nesse “Relatório de Avaliação Visual de Arvoredo Envolvido no Projeto da Unidade de Execução de Entrecampos” foram alvo de uma vistoria todas 132 as árvores implicadas na construção do parque de estacionamento previsto para a zona e dado um parecer final sobre a necessidade de rever a obra por forma a manter todos os exemplares que, na esmagadora maioria, estavam em boas condições fitossanitárias ou apenas a precisar de poda.
“Propõe-se que este projeto seja revisto, de modo a manter estes exemplares arbóreos intocáveis, quer ao nível do seu raizame, quer ao nível da copa”, lê-se nas conclusões do documento a que a VISÃO teve acesso.
A técnica que assina o relatório nota que “a proximidade de implantação do parque de estacionamento subterrâneo ao alinhamento do arvoredo da Avenida 5 de Outubro, irá causar danos irreversíveis às árvores por afetar uma parte importante do seu sistema radicular”, ao todo seriam afetados – caso o projeto não fosse alterado – “cerca de 91 árvores de grande porte”.
Ora, como recorda este relatório, “de acordo com o Regulamento Municipal do Arvoredo de Lisboa não são permitidos quaisquer trabalhos na zona de proteção do sistema radicular, considerada esta como a superfície do solo que corresponde à área de projeção da copa das árvores”. E é com base nesse regulamento que os serviços propõem que se mude o projeto do parque de estacionamento, salvaguardando todas as 132 árvores, incluindo, claro, os jacarandás que existem na avenida.
De resto, os jacarandás merecem uma nota positiva no que toca ao seu estado. “Todos os Jacaranda mimosifolia da Avenida 5 de Outubro foram podados no ano passado pela Junta de Freguesia das Avenidas Novas”, lê-se.
Só o presidente da CML poderia autorizar abate
Quem poderia decidir o contrário e manter o projeto, transplantando as árvores? Segundo este relatório, só o presidente da Câmara de Lisboa.
“A remoção de exemplares arbóreos em bom estado (abate ou transplante) terá que ser sempre submetida a autorização do Exmo. Sr. Presidente da CML, de acordo com a Despacho n.o 60/P/2012, publicado no Boletim Municipal N.o 963, de 02 de Agosto de 2012, objecto de concretização pelo Despacho no 95/P/2016, publicado no Boletim Municipal N.o 1176, de 01 de Setembro de 2016”, frisa o documento, notando que caso isso seja decidido pelo Presidente “as operações de transplante, podas do arvoredo a transplantar e a manter, assim como, a rega das árvores transplantadas, devem ser incluídas no caderno de encargos da obra”.
A VISÃO contactou o gabinete de Carlos Moedas para pedir o documento em que consta a aprovação do projeto pelo anterior executivo, comprovando dessa forma o que Moedas disse na SIC Notícias. Contudo e até à hora de publicação desta notícia, não recebeu qualquer resposta.
“Decisão de abate não pode ser justificada inventando o que nunca existiu”, diz PCP
“À Câmara de Lisboa exige-se rigor e verdade. Questionado pelos vereadores do PCP sobre qual o plano original que previa o corte de todas as árvores, Carlos Moedas não responde. E não responde porque esse plano verdadeiramente não existe. Houve certamente outras versões para a intervenção ali programada. Nenhuma previa o corte de todas as árvores. A decisão de cortar árvores não pode ser justificada inventando algo que nunca foi considerado”, escreveu nas redes sociais o vereador do PCP, João Ferreira, comentando uma publicação da CML na qual se defendia que “a Avenida 5 de Outubro vai ficar mais verde e com mais árvores”.
CML diz que quer salvar árvores e destaca doação de promotor privado
“Não queremos perda de identidade e o jacarandá é a nossa identidade. No nosso executivo salvamos jacarandás e é essa a mensagem de hoje. Estamos a salvar jacarandás”, disse a vereadora do Urbanismo Joana Almeida, numa conferência de imprensa convocada sobre o tema.
De acordo com Joana Almeida, “este executivo fez uma exigência ao promotor, a Fidelidade, no sentido de salvar mais jacarandás” e “o projeto foi alterado para salvar mais jacarandás”.
Segundo as informações que avançou, esse plano prevê que passem a existir 69 jacarandás onde hoje estão 75. De acordo com a vereadora, o atual plano da CML prevê que 30 dos 75 jacarandás que existem serão mantidos, 25 abatidos e 20 transplantados. Dos 69 que ficarão no local, 30 já lá existem e 39 serão plantados de novo.
Joana Almeida justificou esta decisão de abate com o facto de essas árvores apresentarem lesões, cavidades, um “apodrecimento avançado” ou estarem demasiado inclinadas. Algo que não se verificava em 2019, segundo o levantamento dos serviços da CML a que a VISÃO teve acesso, que inclui fotografias de cada uma das árvores e uma descrição do seu estado fitossanitário.
“Dramaticamente, estes jacarandás são muito afectados por manobras de estacionamento”, justificou nessa conferência de imprensa Catarina Freitas, directora municipal dos Espaços Verdes, de acordo com o jornal Público.
Em causa está a construção de um parque de estacionamento com 400 lugares, concessionado pela CML à empresa Fidelidade Property Europe, que deverá estar em funcionamento em 2027.
Joana Almeida anunciou, aliás, que a Fidelidade “pagou” como compensação “mais de 200 jacarandás” para serem distribuídos pela cidade, incluindo os 39 que serão plantados na 5 de Outubro.