“20%. Nunca estivemos tão perto. Vamos fazer esse último esforço a mudar Portugal?” A acompanhar esta sua publicação no X (ex-Twitter), de 1 de dezembro, André Ventura anexou uma imagem com um gráfico intitulado “Intenção de voto Legislativo”, em que o Chega surgia com 19,5%. Em lado nenhum se diz qual a empresa de sondagens responsável pelo estudo.
Já no dia anterior, Pedro Frazão, outro deputado do Chega, publicara dados do suposto inquérito: “Uma nova sondagem confirma: o CHEGA continua a crescer e já atinge cerca de 20% das intenções de voto, superando largamente o resultado de março de 2024”, escreveu, destacando ainda uma imagem de um artigo do Folha Nacional, o jornal do partido, sobre esses resultados.
O artigo em causa atribui a sondagem à Aximage e tem o título “Chega alcança pela primeira vez 20% das intenções de voto” e quatro frases. A última é a “ficha técnica”: “Esta sondagem consistiu em cerca de 800 entrevistas efetivas em todo o território nacional, tendo um erro máximo de 3,5%.”
A informação não cumpre, nem de perto, os requisitos mínimos obrigatórios – a lei exige a publicação de 13 informações diferentes (entre as quais a identificação do cliente e o objeto da sondagem).
Por outro lado, a sondagem foi depositada na ERC, mas a divulgação no site da entidade aconteceu apenas 15 dias após a publicação no Folha Nacional, porque, de acordo com a ERC, o jornal apenas divulgou resultados parciais. De acordo com o Regime jurídico da publicação ou difusão de sondagens e inquéritos de opinião (Lei nº 10/2000, de 21 de Junho): “A publicação ou difusão pública de qualquer sondagem de opinião apenas é permitida após o depósito desta, junto da Alta Autoridade para a Comunicação Social, acompanhada da ficha técnica”.
A última sondagem que se encontrava no site da ERC foi publicada a 22 de novembro, para o Diário de Notícias, mas os resultados não coincidem. Por exemplo, na sondagem do DN, o Chega surge com 18,2% dos votos, o que é praticamente o mesmo resultado que o partido obteve nas Legsilativas (18,07%), e não 19,5%, como na do Folha Nacional.
Pedro Frazão, noutra publicação no X, confirma que o estudo de opinião a que se refere não é o mesmo. “A sondagem que publiquei não é essa mas outra de 30/11. A nova sondagem da Aximage revelou que a AD venceria se as eleições fossem hoje com 26,2%, superando o PS que não iria além dos 24,9%. A grande novidade desta sondagem foi o aumento da votação no Partido CHEGA que atingiria cerca de 20% (sem distribuição de indecisos) superando largamente o resultado alcançado no dia 10 de março de 2024. Nesta sondagem da Aximage, com cerca de 6,9% de indecisos, a IL alcançaria os 5,6%, o Livre 4% e a CDU 3,4%. Esta sondagem consistiu em cerca de 800 entrevistas efetivas em todo o território nacional, tendo um erro máximo de 3,5%.”
Fora a primeira frase, o resto do texto do deputado é a notícia, na íntegra, publicada no Folha Nacional.
A VISÃO contactou a Aximage, num email com o assunto “Sondagem – Visão”, a pedir “informações sobre a referida sondagem, nomeadamente a ficha técnica”. A resposta, também por mail, veio assinada por José Almeida Ribeiro, o diretor técnico da Aximage: (que foi secretário de Estado adjunto de Sócrates e já esteve envolvido noutra sondagem polémica). “Lamentamos, mas não podemos responder positivamente ao seu pedido de envio de uma sondagem, por razões óbvias.”
A VISÃO insistiu, com o seguinte email: “Boa tarde. Eu não pedi o envio da sondagem (o subject [assunto] é apenas indicativo), apenas informações sobre a mesma, como a ficha técnica ou qualquer informação que confirme a existência da referida sondagem, com os resultados indicados, para efeitos de um artigo jornalístico. Aguardo resposta. Obrigado.”
A resposta de José Almeida Ribeiro: “Lamento os termos rudes e mal educados do seu mail. Conforme referi em anterior mail a resposta já está dada: não podemos, nem devemos, responder positivamente ao seu pedido, por razões óbvias.” Nova tentativa, onde se pedia apenas para confirmar a existência da sondagem, ficou por responder.
As “razões óbvias” também não foram explicadas.
No que respeita à divulgação de sondagens, o Folha Nacional, apesar de ser o órgão de um partido, está obrigado a cumprir as mesmas regras dos outros meios de comunicação social. Numa deliberação deste ano (também sobre uma sondagem irregular do Folha Nacional), a ERC confirma que, para todos os efeitos, o jornal, “apesar de excluir da sua esfera de obrigações o cumprimento de deveres como o de pluralismo ou até de contraditório nas notícias que publica”, se encontra adstrito “ao cumprimento das restantes obrigações previstas pela Lei de Imprensa para a generalidade dos órgãos de comunicação social”, “como as demais publicações periódicas doutrinárias”.
Fora as ilegalidades que André Ventura, Pedro Frazão e o Folha Nacional terão cometido ao dilvulgarem os resultados de uma sondagem não depositada na ERC e sem ficha técnica completa, ficamos sem saber se a sondagem deu os resultados apregoados pelo Chega. Ou se efetivamente existe.
[Artigo atualizado depois dos esclarecimentos da ERC às perguntas da VISÃO.]