Ricardo Leão assina em conjunto com o Chega e o PSD, em Loures, uma moção sobre o 25 de novembro que está muito longe daquilo que o seu partido, o PS, defendeu na sessão evocativa desta data esta semana na Assembleia da República. Se no Parlamento o deputado socialista Pedro Delgado Alves repudiou a tentativa da direita de se apropriar da data, na Câmara de Loures o autarca do PS junta-se à sua direita numa moção para que no próximo a autarquia celebre uma sessão solene para assinalar o dia.
Segundo o texto a que a VISÃO teve acesso, o 25 de novembro foi o dia em que “os militares defensores da democracia e da liberdade, militares do regimento de comandos na Amadora, impediram uma tentativa de golpe libertando Portugal de uma tentativa de radicalização do País”.
Moção fala num golpe que os historiadores rejeitam
Para os subscritores da moção, “o 25 de Novembro de 1975 integra a história democrática de Portugal, sublinhando a vitória da liberdade e da democracia, alcançada em Abril de 1974, sobre uma fase de grande instabilidade política e ameaças de radicalismo. Nesta data, forças leais ao Estado de Direito, compostas por militares patriotas, liderados por figuras como Jaime Neves, Ramalho Eanes, Lemos Ferreira e Pires Veloso, asseguraram a preservação dos princípios democráticos, pondo fim a uma tentativa de golpe que colocava em risco os valores conquistados na Revolução de Abril”.
Mas essa é uma versão que tem sido amplamente contestada por vários historiadores, que afirmam não ter estado em causa uma tentativa de golpe de estado da esquerda, mas antes uma sublevação de militares esquerdistas que poderia ter levado a uma guerra civil e que suscitou um contragolpe de forças reacionárias, tendo sido ambos travados pela ação dos militares moderados do Grupo do Nove.
“Entretanto, os paraquedistas não tinham nem armas, nem aviões, nem nada, porque já tinha ido tudo para a Base de Cortegaça. Inclusive os oficiais. Estavam só sargentos e o major Pessoa, que não sei se ainda era capitão. E isto foi o que se passou. Alguém acredita que o PCP fez um golpe de Estado e ninguém os viu nas ruas? Estavam mobilizados nas sedes? Evidentemente. Como em qualquer daquelas outras ocasiões”, dizia ainda esta semana a historiadora Irene Fulsner Pimentel em entrevista ao Diário de Notícias. “Do ponto de vista político, as pessoas esquecem-se de que o 25 de Novembro não alterou nada fundamental. O PCP continuou no Governo, continuou a haver nacionalizações importantes, como nos transportes”, afirmou José Pacheco Pereira, na mesma entrevista ao DN.
Na moção também se diz que “o 25 de Novembro permitiu o fim do Processo Revolucionário em Curso (PREC) e que fossem criadas as condições para a plenitude da Democracia Portuguesa que a Revolução dos Cravos trouxe para Portugal”, quando na verdade o país continuou a viver momentos atribulados, com a rede bombista da extrema-direita a fazer vítimas em 1976, como o Padre Max e a estudante Maria de Lurdes.
“Este momento histórico simboliza a defesa intransigente dos direitos e liberdades do 25 de Abril de 1974, que haviam sido postos em causa pela forças civis e militares que tentavam implementar um regime autoritário em Portugal. Foi um tempo de fortes tensões, em que a repressão, a censura e as coletivizações compulsórias ameaçavam substituir o ideal de liberdade pelo de opressão”. Não há, contudo, quaisquer provas de que o PCP tivesse como objetivo impor uma ditadura, sendo essa tese contrariada pelo registo de várias intervenções do então secretário-geral comunista Álvaro Cunhal e havendo mesmo um momento num debate com Mário Soares em que refuta essa ideia com o famoso “olhe que não”.
Contrariando a ideia de que o PCP tinha tentado um golpe de Estado que foi travado, está também o facto de o partido continuar a fazer parte do governo de coligação com PPD e PS, de não ter sido ilegalizado (ao contrário do que pretendia a direita mais radical) e de Mário Soares se ter sempre oposto à ideia de que pudesse haver lugar a detenções na sequência do 25 de Novembro, embora centenas de jornalistas conotados com a esquerda tenham sido saneados após essa data e a esquerda militar tenha sofrido uma pesada derrota, ficando arredada do poder de uma forma que levou à saída de cena de Otelo Saraiva de Carvalho.
De resto, as “coletivizações” prosseguiram após o 25 de Novembro de 1975, com as nacionalizações a avançar e com a Constituição de 1976 (aprovada apenas com os votos contra do CDS) a afirmar que o país seguia na via para o socialismo e a determinar a irreversibilidade dessas nacionalizações.
Ao longo dos últimos 49 anos, apenas o CDS tem pugnado para celebrar esta data, apresentando iniciativas nesse sentido no Parlamento desde o ano 2000. Nunca o PS tomou a iniciativa de assinalar o 25 de novembro, muito embora seja, segundo todos os historiadores, a força política que efetivamente se pode considerar vitoriosa deste episódio histórico.
PS nunca quis celebrar data
Pedro Delgado Alves explicou porquê no discurso que fez na sessão evocativa do 25 de Novembro, que se realizou este ano pela primeira vez no Parlamento, por iniciativa do CDS e com os votos a favor de toda a direita e a abstenção do PS.
“Se o PS se conta entre aqueles que, inequivocamente, são reconhecidos como vencedores do dia 25 de Novembro, também se conta entre aqueles que compreenderam desde cedo – e até hoje – que a reconciliação nacional começava ali, de imediato, superada que estava a ameaça de guerra civil”, afirmou Delgado Alves, numa sessão a que vários deputados socialistas nem sequer assistiram, tendo muitos aparecido de cravo na lapela – e não com as rosas brancas com que, por sugestão do centrista Paulo Núncio foi decorado o hemiciclo – e tendo outros saído da sala no momento em que o líder do Chega, André Ventura, aproveitou o seu discurso para associar os números das violações à imigração (dados que nenhum relatório oficial comprova).