O apelo é direto. “Não podeis apenas dizer que os imigrantes não contribuem para a criminalidade e apresentar condolências quando algum deles é morto em ataques de ódio. É vossa responsabilidade garantir as condições para que não sejam possíveis ameaças e violências!”, lê-se na carta aberta assinada por vários coletivos que dão apoio aos imigrantes. Dirigem-se diretamente ao Presidente da República, à ministra da Administração Interna, ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa, ao Comissário Nacional da PSP, à Provedora de Justiça, e ao Presidente e deputados da Assembleia da República, porque estão preocupados não tanto com o que se vai passar na manifestação contra a imigração convocada pelo Chega, mas mais com o que pode acontecer a seguir.
“No próximo dia 29, Lisboa vai acolher uma manifestação nacional sob o lema da ‘imigração descontrolada’ e da ‘insegurança’. Os cartazes de divulgação apresentam uma pessoa em trajes muçulmanos e dizem-se contra a imigração. O percurso anunciado é pela avenida que, nesta cidade, concentra o maior número de população migrante e muçulmana”, escrevem os signatários da carta, muitos deles de coletivos que trabalham precisamente nessa avenida, a Almirante Reis, em Lisboa.
Mobilização de grupos neonazis preocupa
Estes ativistas têm medo que, depois de desmobilizada a manifestação oficial, alguns dos que aí vão participar se envolvam em ataques de ódio. Um receio que é justificado pela forma como, em canais do Telegram, elementos do coletivo neonazi 1143, de Mário Machado, se estão a organizar para se juntar ao protesto convocado pelo partido de André Ventura.
“O percurso da manifestação convocada pelo Chega, a que aderiram grupos neonazis sob investigação das autoridades, preocupa-nos. Mas preocupam-nos também as horas seguintes, em que estes militantes anti-imigração e islamofóbicos tradicionalmente se dedicam a atos de ‘caça ao imigrante’ que, num passado muito recente, tiveram consequências que envergonham a nossa democracia”, lê-se na carta, numa alusão a momentos como aquele do 10 de junho de 1995 que acabou com a agressão de vários negros e a morte de Alcino Monteiro, vítima de um ataque racista.
“Todos conhecemos as notícias de ataques a imigrantes, as proclamações de ódio que as sustentam, e de como os agressores se vangloriam de ser guardiães da nacionalidade”, dizem os ativistas, cerca de duas semanas depois de ter sido notícia o ataque xenófobo e racista contra dois imigrantes, que foram esfaqueados no Porto.
Ativistas dizem que as palavras não bastam e pedem políticas diferentes
Os signatários do apelo reconhecem que “o discurso oficial do Governo e das câmaras municipais tem contrariado as notícias falsas difundidas pelos grupos de extrema-direita e pelos representantes do partido Chega que convoca a manifestação”, quando frisa que “não há relação entre o aumento de imigrantes e o aumento da criminalidade, até porque esta tem diminuído”. Mas acreditam que isso não chega.
“Mas quem tem poder para atuar não pode ficar pelas palavras. Tem de atuar, porque o discurso de ódio dos apoiantes da manifestação que vai passar ao lado de comunidades pacíficas tem-se traduzido, cada vez mais, em ações violentas com consequências graves”, defendem, admitindo que “a maioria das pessoas que participarão da manifestação não são políticas, apenas cidadãs cuja vida é influenciada pelas políticas e leis de imigração que existem” e que precisam de uma resposta política aos seus problemas.
“Saibamos fazer diferente. Saibamos fazer de acordo com o que se começou a construir há 50 anos”, pedem.
A carta está a ser difundida pela Cozinha Migrante dos Anjos e é subscrita por coletivos que vão do SOS Racismo, à Sirigaita, ao Stop Despejos, à Habita e à Casa do Brasil.