José Pedro Aguiar-Branco, presidente da Assembleia da República, requeriu um parecer à Procuradoria Geral da República após um pedido, por parte do Chega, de acesso às comunicações – cartas, emails e mensagens escritas – do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Em causa, está a comissão parlamentar de inquérito e o processo de investigação em curso da PGR no caso das gémeas luso-brasileiras que receberam um medicamento de dois milhões de euros no Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
Num despacho dirigido por Aguiar-Branco ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, o presidente da Assembleia solicitou respostas “com a brevidade possível”. O documento, ao qual à agência Lusa teve acesso, refere a apresentação de um requerimento por parte do partido de André Ventura que solicita a Marcelo Rebelo de Sousa “(..) se possível em suporte digital, o registo e/ou cópia de todas as comunicações (nomeadamente, cartas, mensagens escritas por meio de telemóvel ou via internet – WhatsApp, Messenger, Telegram e mensagens de correio eletrónico) referentes ao processo das gémeas luso-brasileiras”.
O Chega requer, entre outras coisas, o acesso a todas comunicações trocadas entre Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República, e o Chefe de Estado, bem como as mensagens e emails enviados entre o filho de Marcelo Rebelo de Sousa e o Governo, membros do Governo ou membros dos gabinetes do Governo. Ademais, o partido requer ainda o acesso a um e-mail de Nuno Rebelo de Sousa para Marcelo Rebelo de Sousa, de 21 de outubro de 2019.
O despacho de Aguiar-Branco, no entanto, refere as dúvidas sobre a possibilidade de “inclusão das comunicações e telecomunicações privadas de inquiridos, concretamente o registo e/ou cópia de todas as comunicações (…) no núcleo essencial do direito de inquérito parlamentar”. Desse modo, “pretende-se uma análise prévia de carácter mais abrangente e que dirima as dúvidas elencadas, ciente de que compete à Assembleia da República, no exercício de funções de fiscalização, vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os atos do Governo e da administração e que os inquéritos parlamentares têm por função vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis”, salienta-se na justificação do pedido ao Conselho Consultivo da PGR.
“Constitui um dado assente que as comissões parlamentares de inquérito são órgãos essencialmente políticos, não sendo, nem podendo transformar-se em tribunais. Daqui resulta que os poderes de investigação daquelas comissões não podem nunca desembocar na prolação de uma sentença condenatória com força de caso julgado, nem podem afetar direitos fundamentais que, em investigação criminal, só podem sê-lo por decisão judicial”, refere-se no despacho de Aguiar-Branco, que invoca a jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Segundo o despacho, as comissões parlamentares de inquérito “não visam exercer a função jurisdicional”, mas sim a investigação dos “factos e recolher elementos probatórios relativos a determinadas matérias de interesse público, apresentando posteriormente as suas conclusões ao parlamento e habilitando-o, dessa forma, a exercer eficazmente as suas funções constitucionais, designadamente as de fiscalização de atos do Governo e da administração pública”, lê-se.
Já em relação ao acesso a comunicações privadas, assinala-se o “potencial ablativo de liberdade e a gravidade da intromissão na esfera privada – e até na esfera íntima – da pessoa que decorre da simples visualização da respetiva caixa de correio eletrónico”.
O processo, ainda em curso por parte da PGR, tem como arguidos Lacerda Sale, ex-secretário de Estado da Saúde, e Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República.