Não foi nem à uma, nem às duas da manhã, como João Galamba referiu no Parlamento, que o o antigo ministro das Infraestruturas falou com António Costa sobre o episódio de agressões que tinha acabado de aconteceu no seu ministério e que envolveu o seu antigo assessor, Frederico Pinheiro. A conversa aconteceu, exatamente, às 23:46h do dia 26 de abril de 2023- depois de uma tentativa frustada de contacto às 21:51h – e ficou gravada nos autos da “Operação Influencer”.
Esta é apenas uma das dezenas de escutas telefónicas – que segundo informações recolhidas pela VISÃO ultrapassam as 50 – em que o antigo primeiro-ministro surge como um dos intervenientes (e não diretamente escutado) e que, ao contrário do que vinha sendo a prática habitual (que começou no processo da Face Oculta) não foram destruídas, por serem “manifestamente estranhas” ao objeto da investigação.
Tudo porque, a 16 de junho de 2021, após um recurso do Ministério Público contra a decisão do então presidente do Supremo Tribunal de Justiça em mandar destruir duas escutas envolvendo António Costa, a 3ª secção deste tribunal superior proferiu um acórdão, no qual considerou que mesmo “manifestamente estranhas” ao processo, as escutas deveriam manter-se nos autos, com excepção das que pudessem conter matérias cobertas pelo Segredo de Estado.
Uma das primeiras conversas que chegou ao então presidente do Supremo Tribunal de Justiça, António Piçarra, para validação dizia respeito a uma conversa entre António Costa e Matos Fernandes, então ministro do Ambiente, na qual ambos combinaram tomar um café para falar sobre uma avaliação ambiental estratégica. Dizendo não descortina “qualquer interesse para a investigação”, António Piçarra ordenou a destruição desta conversa e de outra entre os mesmos intervenientes, na qual abordaram a morte do arquiteto Gonçalo Ribeiro Teles.
Num segundo pacote, o procurador João Paulo Centeno apresentou duas conversas para validação: uma entre António Costa e João Pedro Matos Fernandes sobre a eventual localização de uma refinaria de lítio, em Matosinhos, e uma segunda, em que a conversa entre ambos disse respeito a apoios a famílias e empresas durante o confinanto. Fazendo fé no que considerou o procurador do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, António Piçarra validou a primeira, considerando que a segunda não tinha qualquer interesse para a investigação. Porém, e como o Ministério Público, tinha recorrido da primeira decisão de destruição, António Piçarra ordenou que as escutas se mantivessem no processo até à decisão do recurso.
Este acabou por conhecer a luz do dia a 16 de junho de 2021. Assinado pelos juízes conselheiros Nuno Gonçalves e Maria Teresa Féria, o documento deu razão ao Ministério Público, admitindo que muitas das conversas em causa eram “manifestamente estranhas” ao objeto da investigação, porém as mesmas deveriam manter-se nos autos. Os juízes conselheiros consideraram que, no caso do ex-primeiro ministro, não basta alegar que as escutas telefónicas em que interveio eram manifestamente estranhas para determinar a sua destruição. António Costa – ou outro primeiro-ministro – teria que abordar ao telefones assuntos em Segredo de Estado para levar à destruição dos suportes.
Perante esta decisão, e com novas escutas envolvendo António Costa a chegarem ao Supremo, o novo presidente, Henrique Araújo, acabaria por despachar o assunto sempre da mesma forma: não se pronunciando sobre o interesse das conversas para o objeto da investigação, dizendo apenas, em observância ao acórdão de 16 de junho de 2021, que determinava a junção aos autos das intercepções.
O resultado desta decisão foi a transição (através de resumos) de várias conversas de António Costa com João Pedro Matos Fernandes e João Galamba sobre temas laterais ao processo “Influcencer”. Além do caso das agressões no ministério das Infraestruturas, ao que a VISÃO apurou, há conversas sobre listas às eleições legislativas, uma remodelação governamental, reuniões com autarcas e até uma sobre Isabel dos Santos, a filha do ex-presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, exilada no Dubai. Há ainda, como revelou esta terça-feira a CNN, uma conversa entre António Costa e João Galamba sobre o despedimento da ex-CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener.
Em maio, quando foi ouvido no Departamento Central de Investigação Penal, António Costa, ao que a VISÃO apurou, não foi confrontado com nenhuma das dezenas de escutas do processo em que intervém. Além do ex-primeiro ministro, também Augusto Santos Silva tem uma conversa com João Galamba resumida no processo.
A Operação Influencer levou, em novembro de 2023, à detenção de Vítor Escária (chefe de gabinete de António Costa), Diogo Lacerda Machado (consultor e amigo de António Costa), dos administradores da empresa Start Campus Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, e do presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, que ficaram em liberdade após interrogatório judicial.
Existem ainda outros arguidos, incluindo o agora ex-ministro das Infraestruturas João Galamba, o ex-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, o ex-porta-voz do PS João Tiago Silveira e a Start Campus. Em abril, O Tribunal da Relação de Lisboa não encontrou qualquer indício de crimes na processo. Os juízes afirmaram no acórdão que as suspeitas que recaem sobre António Costa são “meras proclamações assentes em deduções e especulações”.