A vitória de Francisco Paupério nas eleições primárias do Livre, para a escolha dos candidatos para as europeias, continua a dar que falar no seio partido, com um grupo de militantes e apoiantes a quebrar o silêncio para admitir que o processo “continua a provocar desconforto” e “contestação interna”. Em declarações à VISÃO, há mesmo quem fale de uma “chapelada eleitoral” que valeu a vitória ao jovem biólogo.
Francisco Paupério foi eleito cabeça de lista do Livre para as europeias – superando a “favorita” Filipa Pinto, dirigente e número dois do partido no Porto nas últimas legislativas –, mas a polémica reside no facto de 58% dos seus votos terem vindo de eleitores que se inscreveram para votar nestas primárias, mas que não têm qualquer ligação conhecida ao partido.
De acordo com os regulamentos (ver artigo 35.º), os eleitores nas primárias do Livre exprimem a sua preferência ordenando os candidatos de um a seis, cada um destes somando pontos correspondentes à posição atribuída, que são depois somados e definem a pontuação final. Ao contrário do previsto, a (grande) maioria dos eleitores que escolheram Francisco Paupério votaram apenas neste candidato, não preenchendo as outras cinco posições, o que retirou a possibilidade dos outros candidatos também somarem pontos nestes boletins. Fonte que acompanha primárias há várias eleições, admite que “não houve incumprimento do regulamento”, mas considera que “o espírito das primárias foi adulterado” através de “uma concentração de votos” em Francisco Paupério, feita “com influência externa”.
Os resultados, ordenados em razão da regra da paridade, foram os seguintes: Francisco Paupério (5667,75 pontos), Filipa Pinto (3777,2 pontos), Carlos Teixeira (3125,91 pontos), Mafalda Dâmaso (3032,88 pontos), Tomás Cardoso Pereira (2343,99 pontos) e Inês Pires (2164,39 pontos). Contando apenas com os votos dos membros e apoiantes do partido, Paupério ficaria apenas no terceiro lugar.
Ligações a associações de jovens (e de direita)?
Os militantes e apoiantes do Livre que contestam este resultado apontam para ligação de Francisco Paupério à associação Próxima Geração, que, segundo estes, “se terá mobilizado” para dar a vitória ao candidato. “É uma associação que tem como objetivo colocar os seus jovens membros em lugares-chave da sociedade civil, incluindo nos partidos políticos, tanto da esquerda como da direita. Muitos dos que votaram em Francisco Paupério para cabeça de lista do Livre nas europeias não partilham sequer os mesmos valores e princípios do partido. Alguns estão até ligados a forças partidárias da direita”, acusa esta fonte.
A notícia, publicada no Observador, na noite desta segunda-feira, divulgando que o nome de Francisco Paupério consta da lista de membros fundadores do Instituto +Liberdade, fundado por Carlos Guimarães Pinto, atual deputado da Iniciativa Liberal, redobrou o “desconforto” no seio do partido liderado por Rui Tavares, apurou a VISÃO.
Ao Observador, Francisco Paupério garantiu que nunca foi membro do Instituto +Liberdade, mesmo que o seu nome surja na lista de membros fundadores. “Inscrevi-me no início para perceber o que era, mas nunca fiz lá nada, como é óbvio”, afirmou, garantindo que o projeto “foi vendido como uma associação apartidária em que iam partilhar informação política”, motivo que o levou a inscrever-se.
As primárias para as europeias do Livre já tinham motivado polémica, logo depois de conhecidos os resultados da 1.ª volta – que Paupério também ganhou. A Comissão Eleitoral chegou a anunciar que apenas membros e apoiantes do partido poderiam votar na 2.ª volta, por considerar “existirem fortes indícios de viciação do processo da parte de votos de não-membros”, mas a decisão acabaria revertida pela Comissão de Ética e Arbitragem do partido, que deu razão ao recurso de Francisco Paupério. O processo seguiu como estava inicialmente previsto.
Paupério nega falta de apoio interno
À VISÃO, Francisco Paupério rejeita as acusações, recordando que “numas primárias abertas, os votos externos estão previstos”. O agora cabeça de lista do Livre para as europeias de 9 de junho “não reconhece” uma eventual falta de apoio interno, considerando que “os números da 2.ª volta das eleições confirmam o contrário”, incluindo “uma subida nos votos dos militantes e apoiantes” do Livre, em comparação com a 1.ª ida às urnas.
Em relação à polémica, Paupério sugere “uma reflexão” ao partido para se perceber se este é o melhor método de eleição. “O Livre escolheu a realização de eleições primárias, mas se este processo não agrada, os militantes e apoiantes do partido têm toda a legitimidade para, em sede própria, fazerem as alterações que julguem mais corretas”, diz.
Francisco Paupério tem 28 anos, é natural de Leça da Palmeira, em Matosinhos, e a sua profissão é investigador. É formado em biologia, com especialização em bioinformática, pelas Faculdades de Ciências das Universidades do Porto e Lisboa e está atualmente a concluir o doutoramento em Biologia Integrativa e Biomedicina no Instituto Gulbenkian de Ciência. Na política, entrou para o Livre em 2021. É membro da Assembleia, órgão máximo do partido, e foi número três nas listas do círculo do Porto nas legislativas de 10 de março.
A VISÃO tentou obter uma reação da direção do Livre, mas esta mantém-se à margem do processo eleitoral (como até aqui), não comentando o caso.