“Transferimos todo o seu gabinete para a Póvoa de Varzim, com todo o mobiliário, com toda a sua biblioteca, com todo o seu espólio, que estará na Casa Manuel Lopes”, a biblioteca-jardim da cidade, afirmou o autarca, acrescentando que haverá espaço para investigação e exposições sobre o escritor, que morreu em 2020 e é um dos nomes fundadores do festival literário.
Fazendo um balanço destes 25 anos do festival, e em vésperas de se celebrarem os 50 anos do 25 de Abril, Luís Diamantino destacou os principais alertas deixados pelos vários escritores e artistas que passaram pelas mesas de debate.
“Foi um fio comum a todas as intervenções, os perigos que a liberdade está a correr neste momento, o facto de pensarmos que a liberdade é um dado adquirido e que não há volta, não há regresso. Há regresso, há o perigo do regresso”, disse o vereador, referindo-se ao passado de ditadura.
A liberdade tem também muitos perigos à volta da literatura, salientou Luis Diamantino.
“Quando o escritor está a escrever, começa também a pensar, neste momento, o que pode dizer e o que não pode dizer, que é uma autocensura, que é muito pior do que a censura. O escritor não sabe se pode dizer esta palavra ou aquela, se verá os seus livros truncados ou não. Também corremos esses perigos”, acrescentou.
O responsável pela criação e organização das Correntes d’Escritas destacou a importância do festival enquanto espaço de reflexão sobre a liberdade e os riscos para democracia, em que o público também participa.
“Os 25 anos das Correntes d’Escritas falam por si, conseguimos manter um encontro de escritores com esta índole, com esta participação massiva dos espectadores, que enchem salas para ouvir falar de escritores, para ouvir os textos que os escritores escrevem. Tem sido assim e tem sido crescente”.
Na última mesa, subordinada ao tema “E um verso em branco à espera de futuro”, a escritora Hélia Correia revelou as mesmas preocupações, questionando “se estaremos com júbilo nesta celebração de Abril”, para responder de seguida: “Não estamos”.
“Se os gestos são os mesmos, se os cravos são os mesmos, nós não somos os mesmos. E se não nos negarmos, se olharemos com coragem, se os ouvidos tomarem atenção, perceberemos que as canções já não cantam, balbuciam, e que as páginas perderam o esplendor”.
Nas palavras de Hélia Correia, “foi tudo um sonho e acordámos para o real quando os tacões das botas nos calcaram, e agora não achamos medidas, nem palavras nem grelhas interiores de entendimento que organizem e tornem de algum modo familiar aquilo com que deparamos.”
“Vemos no horizonte a verdade pior, a competência para o mal dos seres humanos, o seu instinto territorial novamente excitado, o sabor da cruzada a fabricar saliva, e vemos como o pensamento corre perigo, vemos como as palavras estão sob ameaça e como essa ameaça chega de várias frentes: a da censura fascizante, é certo, mas também a da intervenção ‘woke’ e a da ameaça mais assustadora, porque deslumbra aquele que é ameaçado, como se ele bebesse uma poção, a ameaça da extinção da língua, da criação à imagem do partido único, do idioma único, tornando línguas mortas, as nossas línguas vivas e as literaturas vivas.”
Intervindo na mesma mesa, o escritor José Eduardo Agualusa lamentou que 50 anos depois do 25 de Abril, em Angola e Moçambique ainda se esteja a combater por essa liberdade.
O escritor Germano Almeida, por sua vez, revelou estar prestes a terminar um romance que é um policial, que decorre na Póvoa de Varzim, num festival Correntes d’Escritas.
Recordou vivências suas em Lisboa, em abril de 1974, e destacou que, apesar de a liberdade estar cada vez mais presente nas sociedades, “insistimos em sistemas de opressão das formas mais elementares.
*** A Lusa viajou à Póvoa de Varzim a convite da organização do Correntes d’Escritas ***
AL // MAG