As origens remontam ao final do séc. XIX. Mas foi com a publicação em 2010 do Le Grand Remplacement, escrito por Renaud Camus, que ganhou ainda mais fulgor a teoria de que as políticas de emigração menos restritivas faziam parte de uma conspiração de “elites” para substituir o poder político e a cultura da população branca nos países ocidentais por estrangeiros vindos de outros continentes. O autor francês tinha-se concentrado na imigração das populações árabes, berberes, turcas e muçulmanas subsaarianas para a Europa, no seu desdém pelas tradições gaulesas, e na ideia de que tinham uma taxa de natalidade muito mais elevada do que a dos brancos, ameaçando o seu modo de vida e instituições. As suas teorias rapidamente ganharam eco e serviram para atacar outras comunidades (como a judaica), transformando-se Camus num ideólogo da extrema-direita, e numa referência para o movimento supremacista branco, crente da destruição iminente da raça branca.
À medida que, no séc. XXI, aumentavam os pedidos de asilo na Europa e nos Estados Unidos, a retórica da invasão que precisava de ser travada antes que conquistasse a civilização ocidental chegou aos canais mainstream. E foi adotada por políticos como Marine Le Pen, líder da União Nacional (França), ou Viktor Orbán, o primeiro-ministro húngaro, ou comentadores como Tucker Carlson (que, depois de muitas polémicas, foi despedido Fox News), que acusava o Partido Democrata de tentar “substituir o eleitorado atual” por “eleitores do terceiro mundo”. Graças a Donald Trump, que relutantemente condenou atos racistas, a teoria da grande substituição tem alcançado uma grande aceitação entre os norte-americanos – cerca de 65% dos seus apoiantes acreditam que é verdadeira.
Aliás, não admira que tenha servido de mote para ataques terroristas que ocorreram em diferentes pontos do planeta, dos Estados Unidos – como o massacre de maio de 2022 em Buffalo, Nova Iorque, que levou à morte de 10 pessoas, entre elas oito negros – à habitualmente pacífica Nova Zelândia – em 2019, um supremacista matou 51 muçulmanos em duas mesquitas na cidade de Christchurch. Ambos os terroristas tinham assinado manifestos racistas e anti-imigração semelhantes ao de Camus.
O escritor já tinha sido condenado em 2014 por incitamento ao ódio e à violência contra os muçulmanos, mas o ostracismo a que tem sido votado pela intelligentsia francesa anda lado a lado com a difusão internacional das suas ideias incendiárias.
A “ameaça” portuguesa
Em Portugal, a teoria conspiracionista também tem vindo a deixar lastro. No encontro da família política Identidade e Democracia (ID) – grupo que junta partidos da direita radical e populista no Parlamento Europeu –, organizado em Lisboa na semana passada, André Ventura defendeu “uma refundação da União Europeia (EU) que dê mais poderes aos governos para controlo de fronteiras, de migrações”. Ladeado por Marine Le Pen e Tino Chrupalla (presidente da AfD – Alternativa para a Alemanha), o presidente do Chega afirmou: “Vão continuar a dizer que devíamos deixar entrar toda a gente, sem controlo e sem critérios, mesmo sabendo que levaria a prazo a uma substituição populacional que nunca podermos aceitar na nossa Europa”.
Em fevereiro deste ano, em entrevista ao Polígrafo da SIC, Ventura tinha sido mais cauteloso na utilização da expressão. “Há um risco na Europa de uma crescente, não chamaria substituição… substituição não é a melhor palavra. Eu acrescentaria que há um risco de uma crescente aglomeração, de uma certa adulteração cultural e civilizacional da Europa com os fluxos migratórios dos países islamizados ou islâmicos.” E evitou o termo, explicou, porque “não gosto de usar coisas sem ter os dados completos. Não sei se esse processo em termos de equilíbrio populacional, mesmo em países como a Alemanha, a França ou a Bélgica, se já estão a um nível que se possa falar de substituição. Portanto prefiro falar de adulteração. Quando tiver os números di-los-ei logo, imediatamente.”
No entanto, a teoria tem sido recorrentemente invocada pelo líder do Chega. A 14 de outubro de 2021, discursava na Assembleia da República: “Podemos dar as voltas que quisermos, há um problema estrutural não só em Portugal como na União Europeia que se chama ‘substituição demográfica’. E não tente dizer-nos que estamos a ser racistas ou xenófobos, a verdade é só uma: a União Europeia no seu conjunto tem vindo a ser substituída demograficamente por filhos de imigrantes. E esse é um problema que a Europa tem que enfrentar.” O próprio programa político do partido defendia que as políticas migratórias e de atribuição da nacionalidade a estrangeiros “comportam riscos para a sobrevivência dos portugueses enquanto povo com identidade própria, assim como para a sua prosperidade e segurança coletivas”.
Um relatório da organização não-governamental norte-americana Global Project Against Hate and Extremism (GPAHE), divulgado em junho passado, que identificava os grupos de ódio e de extrema-direita a atuar em Portugal, apontava como o Chega “tem trabalhado para envenenar o discurso nacional com uma retórica racista, anti-LGBTQ+, anti-imigração e anticigana”, transformando-se numa espécie de casa comum para identitários, conspiracionistas, supremacistas brancos, nostálgicos de Salazar, nacionalistas cristãos e outros extremistas de direita “que apoiam o autoritarismo”. E deixava o alerta: “A rápida ascensão e influência do Chega é um aviso de que nenhum país é verdadeiramente imune a forças exclusivistas, demagógicas, e que até mesmo minúsculos partidos de extrema-direita podem expandir rapidamente a sua base de apoio”.