Será uma situação inédita na Justiça: um autarca entrou num processo detido e suspeito de corrupção prevaricação mas, no final do interrogatório judicial, saiu sem nenhum crime imputado. Foi isto mesmo que, esta segunda-feira, aconteceu a Nuno Mascarenhas, presidente da Câmara de Sines, a quem o Ministério Público imputava um crime de corrupção passiva e outro de prevaricação. Segundo informações recolhidas pela VISÃO, no despacho que determinou as medidas de coação aos arguidos, o juiz Nuno Dias Costa foi claro ao escrever que, em relação ao autarca, “não se mostra indiciada a prática pelo mesmo de qualquer ilícito criminal”.
No que diz respeito aos restantes arguidos, sobretudo Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária, advogado e amigo do primeiro-ministro e o ex-chefe de gabinete, respetivamente, o juiz entendeu existirem fortes indícios da prática do crime de tráfico de influência, apesar de os mesmos o terem negado durante os interrogatórios. A questão central prende-se com Zona Especial de Conservação de Sines, e como as limitações ambientais terão sido ultrapassadas.
Por outro lado, o juiz deu como sufientemente indiciados os crimes de recebimento indevido de vantagem relativamente a João Galamba, ministro das Infraestruturas que, entretanto, avançou com um pedido de demissão e Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente. Em causa estão almoços e jantares. Por agora, também o crime de prevaricação caiu.
Quando ao pedido de prisão preventiva para ambos – defendido pelo Ministério Público – o juiz considerou-o claramente desproporcionado, sublinhando que o mesmo se alicerçava em “considerações genéricas e esterotipadas”, decidindo que as medidas que proporcionalmente se adequavam à gravidade dos crimes passavam pela proibição de ausência para o estrangeiro, com a consequente entrega do passaporte de ambos, e a aplicação de uma caução de 150 mil euros a Lacerda Machado.
Estes cinco arguidos encontravam-se detidos no âmbito deste processo, tendo no domingo decorrido as alegações finais dos advogados e do Ministério Público, após a conclusão dos interrogatórios.
O primeiro-ministro surge associado a este processo, estando em curso uma investigação no Ministério Público (MP) junto do Supremo Tribunal de Justiça, o que levou António Costa a pedir a demissão e à convocação de eleições antecipadas para 10 de março de 2024 pelo Presidente da República.
Os interrogatórios ao presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, aos administradores da sociedade Start Campus Rui Oliveira Neves e Afonso Salema, ao ex-chefe de gabinete do primeiro-ministro Vítor Escária e ao advogado Diogo Lacerda Machado (amigo de António Costa) começaram na quarta-feira e terminaram no sábado à noite.
Uma operação realizada na terça-feira pelo Ministério Público no âmbito desta investigação assentou em pelo menos 42 buscas e levou à detenção dos cinco arguidos
No total, há nove arguidos no processo, entre eles o ministro das Infraestruturas, João Galamba, o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, o advogado e antigo porta-voz do PS João Tiago Silveira e a empresa Start Campus. Nestes casos, não houve detenções.
O processo visa as concessões de exploração de lítio de Montalegre e de Boticas, ambos no distrito de Vila Real; um projeto de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, Setúbal, e o projeto de construção de um centro de dados na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade Start Campus.
Segundo o Ministério Público (MP), podem estar em causa os crimes de prevaricação, corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e tráfico de influência.
Os gestores da “Start Campus”, empresa responsável pela construção do centro de dados, em Sines, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, saíram do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa com Termo de Identidade e Residência. A empresa, para quem o Ministério Público defendia a aplicação de uma caução de 19,5 milhões de euros, viu esta verba reduzida para 600 mil euros.