O trabalho do advogado Diogo Lacerda Machado para a empresa “Start Campus”, promotora do centro de Dados, em Sines, limitou-se ao “estabelecimento de contactos e ao exercício de influência” junto de membros do Governo para a aprovação do projeto. Esta é a tese que, nos próximos dias, os procuradores do Ministério Público vão defender nos interrogatórios dos cinco arguidos detidos na “Operação Influencer”. A principal prova: escutas telefónicas, como a que foi recolhida a 31 de agosto do ano passado, na qual o melhor amigo de António Costa disse a um gestor da empresa: “Se for Finanças , eu falo logo com o Medina ou com o António Mendes. Se for, Economia, arranjo maneira de chegar ao próprio António Costa.”
Num extenso documento de indicação dos factos imputados aos detidos, o Ministério Público transcreveu várias dezenas de escutas telefónicas, as quais revelam o nível de acesso de Diogo Lacerda Machado aos decisores políticos, o envolvimento destes, como o caso de João Galamba, já constituído arguido no processo, com os promotores .
O facto de Lacerda Machado ser reconhecido como uma espécie de “ponta de lança” do projeto do centro de dados levava a um cuidado especial por parte, por exemplo, de João Galamba. Ainda como secretário de Estado da Energia, a 23 de abril de 2021, Galamba comentou com a sua chefe de gabinete, Eugénia Correia, que “um dos advogados deste mega projeto é o grande amigo do PM” e que “como ele está nas reuniões e vê o que a nossa equipa está a fazer, ele conta ao PM”.
Noutra conversa, desta vez com Pedro Nuno Santos, que incidiu sobre o papel do Instituto de Conservação da Natureza na viabilização do projeto do centro de dados, o facto de Lacerda Machado participar no projeto é tema de preocupação e cautela. “O melhor amigo do primeiro-ministro já sabe?”, perguntou Pedro Nuno. Na resposta, Galamba afirmou que, por causa disso, afirmou ter dito “à Mariana” para avisar um secretário de Estado “que tem que ser entre ministros, com a intervenção do primeiro-ministro”. “Isso não vale a pena estar aqui o secretário de Estado”, finalizou.
Há ainda outra conversa interceptada, entre Galamba e Vítor Escária, o primeiro partilhou com o chefe de gabinete de António Costa existir um problema “entre a AICEP e ICNF”, o qual só poderia ser “resolvido com a intervenção do núcleo duro do governo”.
Lacerda Machado, de acordo com as escutas transcritas pelo Ministério Público, era a pessoa a quem os gestores da “Start Campus” recorreram para ultrapassar os habituais condicionamentos da administração pública.
Quando Afonso Salema, gestor da empresa e um dos detidos no processo, lhe telefonou a dar conta de dificuldades no SEF com a legalização de duas pessoas, até por alguma intolerância da secretaria de Estado da Internacionalização, liderada à época por Eurico Dias, atual líder parlamentar do PS, o advogado começou por dizer que o secretário de estado não servia para nada. Por isso, prometeu falar “com o vizinho”, Francisco André, secretário de Estado da Cooperação, e “às tantas até falo com o Escária”.
As intercepções mostram que, para os gestores da “Smart Campus”, Lacerda Machado seria, de facto, um desbloqueador. Numa conversa entre Afonso Salema e Filipa Costa, presidente da AICEP, o gestor comentou uma reunião entre o advogado e o presidente da Câmara de Sines: “Eu acho que ele levou um apertão do Diogo, ele percebeu”.
Não há provas, diz advogado
Entretanto, segundo a Lusa, o advogado de Diogo Lacerda Machado, detido no âmbito da investigação aos negócios do lítio e hidrogénio, disse que faltam provas que sustentem o processo e que espera que no final se “possa manter o Ministério Público de pé”.
À saída do Tribunal Central de Instrução Criminal, no Campus de Justiça, em Lisboa, onde esteve desde a tarde de quarta-feira e de onde só saiu já depois da meia-noite, após consultar as dezenas de volumes do processo, Manuel Magalhães e Silva disse que o que encontrou nos autos foi “a criminalização de um processo politico-administrativo”, sem “provas inequívocas de qualquer situação de corrupção”.
“Quando chegarmos ao fim, espero que isto possa manter o Ministério Público de pé. Pode não acontecer. Até este momento a falta de provas que não estão reunidas e os factos tais como estão descritos é efetivamente uma situação grave relativamente à criminalização de processos políticos”, disse o advogado aos jornalistas, que, questionado, acrescentou que perseguição “não é a expressão adequada” para descrever a tese do MP, considerando-a “apenas uma errada qualificação por parte do MP daquilo que é um processo político administrativo”.
Sobre as escutas, que são, segundo disse, o essencial da prova do MP neste processo, adiantou que através delas se pode “verificar que efetivamente não há nada de irregular” no processo e referiu, em relação às escutas que envolvem António Costa, que “em 99% dizem respeito às relações privadas entre as pessoas”, pelo que não têm relevância para o processo, e que a única que poderá ter relevância é a que deu origem à investigação autónoma que corre no Supremo Tribunal de Justiça e sobre a qual não quis fazer comentários.