Cinco dias depois de os braços armados do Hamas terem atacado Israel, provocando centenas de mortos e outros tantos reféns que foram levados para a Faixa de Gaza, o PCP e também o BE sentiram necessidade de virem explicar a razão para que as suas declarações iniciais tenham consistido numa crítica aos israelitas e não numa condenação clara do grupo terrorista islamista. Na origem desse gesto não está qualquer chuva de críticas que os dois partidos estejam agora a sofrer, como aconteceu aquando da invasão da Ucrânia, mas as palavras de Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, que apontou baterias àquelas duas forças políticas: “A extrema-esquerda mostrou que é tão má como a extrema-direita. Há partidos que não admitem que o Hamas é uma organização terrorista”.
Após o debate sobre o assunto no Parlamento, na quarta-feira à tarde, onde se esgrimiram argumentos sobre o conflito israelo-palestiniano, o social-democrata Carlos Moedas – à frente de uma coligação de direita em Lisboa – veio desferir ataques pelo tom das reações vindas do PCP, logo no dia 8, e do BE, apenas na quarta-feira, sobre os acontecimentos no Médio Oriente. “Antes, o racismo estava só na extrema-direita. Mas temos visto uma extrema-esquerda racista, que apoia organizações terroristas que decapitam bebés. Isso dá cartas aos partidos moderados”, apontou Moedas, numa entrevista à SIC Notícias.
Contra-ataque a Moedas
Estas palavras obrigaram o secretário-geral comunista, Paulo Raimundo, a ser mais contundente sobre o Hamas, do que o comunicado da Soeiro Pereira Gomes. Aliás, a exemplo do que aconteceu com a invasão da Ucrânia, em que o sucessor de Jerónimo de Sousa admitiu que o partido talvez não soubera esclarecer o seu posicionamento.
“Tudo aquilo que envolva operações que tenham como objetivo e destinatário populações civis, é sempre condenável; seja ela do Hamas, seja de quem for”, defendeu, na quinta-feira, numa visita à Amadora, lamentado uma “certa hipocrisia no ar” quando há, referindo-se a Gaza, “três milhões de pessoas completamente isoladas, sem acesso a água, a alimentação, a cuidados médicos”. “Uns atos são condenáveis, porque são atos de índole terrorista, e os outros são o quê? É justiça? É uma vingança? É o quê?”, questionou o líder do PCP, partido para quem a causa palestiniana é uma das suas bandeiras – exemplo disso é que a Palestina nunca deixou de se fazer representar na Festa do Avante!.
Pelo mesmo diapasão, o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, também foi duro com o presidente da Câmara de Lisboa: “Carlos Moedas, ao usar estas mortes e esta guerra para fazer jogo político em Portugal, prova que não está à altura do cargo que ocupa e como, de facto, os valores que deviam nortear o espaço democrático não estão presentes na sua conduta”.
“O Bloco de Esquerda, desde a primeira hora, condenou o massacre de civis, condenou os crime de guerra levados a cabo pelo Hamas contra israelitas ou contra pessoas de outras nacionalidades. Fizemo-lo com a mesma veemência com que condenamos os crimes de guerra perpetrados por Israel e que neste momento estão a acontecer no território de Gaza”, disse Pedro Filipe Soares.
Mas, e no que consistiam as primeiras declarações de comunistas e bloquistas? A do PCP omitia o ataque dos homens das brigadas do Hamas, optando por lembrar que em causa estavam “acontecimentos inseparáveis da escalada na política de ocupação, opressão e provocação levada a cabo pelo governo de extrema-direita de Netanyahu e por colonos israelitas, que não só é responsável pelo agravamento da situação, como está a conduzir ao incremento da confrontação no Médio Oriente”.
Já do lado do BE, só se reagiu oficialmente de viva voz através da coordenadora, Mariana Mortágua, na quarta-feira, depois de apenas ter divulgado até então uma manifestação pró-Palestina, em que a deputada Isabel Pires esteve, e de uma mensagem crítica da eurodeputada Marisa Matias. De acordo com Mortágua, “o Bloco de Esquerda condena desde o primeiro momento a morte de civis e o rapto de civis inocentes”. “Condenamos esses atos e esses crimes de guerra quando são cometidos pelo Hamas e quando são cometidos – e foram – pelo Estado de Israel”, disse a coordenadora bloquista.
Mas, entretanto, no jornal oficial do PCP, o Avante!, é de Ângelo Dias, da comissão política do comité central, a crónica que sinaliza que o atual “ataque israelita surge como resposta à operação desencadeada por organizações da resistência palestiniana (e não apenas pelo Hamas) concentrada no sul de Israel que provocou várias centenas de mortos e fez pelo menos mais de uma centena de prisioneiros”. “Não retirando um milímetro ao respeito que nos merecem as vítimas inocentes desta escalada, não podemos deixar de denunciar a hipocrisia que oculta as suas verdadeiras razões e que tenta inverter a realidade”, escreve o dirigente comunista, na edição do Avante! que foi para as bancas na quinta-feira.
Do lado do BE, o Esquerda.net, tem apostado em artigos de opinião ou reportagens de jornalistas estrangeiros, alinhados com a causa palestiniana e com a esquerda israelita.
Parlamento iluminou-se, já depois de debate
Aliás, o BE moderou um pouco as suas declarações quando o conflito Israel-Hamas chegou ao hemiciclo, pela voz do PSD e Livre, na última quarta-feira. Acabou por ser o PCP a ficar sozinho a amparar o ataque feito pelo social-democrata Alexandre Poço, quando disse que a esquerda evitava tocar no assunto Hamas. “O PCP sempre se distanciou de ações de violência que não servem as causas do povo palestiniano”, ripostou o deputado comunista Bruno Dias.
Nesse mesmo dia, o exterior do Parlamento iluminou-se com as cores da bandeira de Israel – gesto contra o qual votaram o PCP e o BE, que há muito se batem pela causa palestiniana. Sinal disso mesmo foi a manifestação no Martim Moniz, em Lisboa, levada a cabo Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC), uma organização civil na esfera do PCP e liderada pela ex-eurodeputada Ilda Figueiredo, na quarta-feira.