Porque é que as aves não caem dos galhos? A questão até é pertinente, há que admitir, principalmente quando se trata de pássaros que são vistos como mais lentos ou dorminhocos. Na verdade, tudo se deve à enorme força rígida que fazem nos tendões, conhecida como mecanismo de travamento. Nessa equação não entram nem os ventos fortes nem outro tipo de intempéries. Talvez por desconhecer tal processo natural, o primeiro-ministro arrancou para mais um ano de gestão com um aviso ornitológico a Belém, de forma a mostrar desagrado com o recado de Marcelo Rebelo de Sousa sobre o futuro do Mais Habitação, que disse ao Governo que esse pacote, mesmo após o veto presidencial ser contornado, “não é caso encerrado”. “Para que o Estado funcione bem, cada um deve estar no seu próprio galho e fazer aquilo que lhe compete”, disse António Costa. Contudo, mesmo havendo casos (como os dos papagaios) de aves que se seguram no galho de cabeça para baixo, a tarefa do líder socialista não será fácil: a juntar às necessárias regulamentação e aplicação das leis da Habitação, há que evitar a rutura nos setores da Educação e da Saúde – onde os protestos se avolumam e minam a confiança da população nos sistemas públicos; depois, dar um sinal no Orçamento de que os impostos sobre o trabalho baixarão, para justificar as fortes críticas socialistas ao pacote fiscal do PSD; e, a par disso, dar gás à execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), já que tantas obras se atrasaram devido à revisão de custos.
Se tal caderno de encargos parece de difícil gestão, acrescente-se o objetivo de os socialistas alcançarem uma vitória nas eleições europeias de 2024 e a necessidade de uma boa prestação de António Costa no Parlamento, no regresso ao modelo de debates quinzenais, aprovado em julho. Sendo certo, porém, que Costa não irá levar em conta as recomendações de Cavaco Silva, o seu maior crítico, desde 2015, e que se prepara para lançar a obra O Primeiro-Ministro e a Arte de Governar – uma “lição de como gerir um país”, que promete agitar as águas nas próximas semanas.