Quem recusa cerca de €500 diários, por pilotar uma aeronave de combate a incêndios florestais, quando essa quantia pode equivaler a um quarto do seu salário líquido mensal no Estado, mesmo que viole o Estatuto dos Militares? Essa tem sido a principal razão para que os militares das Forças Armadas recorram a vários expedientes, nesta altura do ano, de modo a que, contornando normas internas, possam rumar aos comandos de aeronaves de empresas privadas, atuando num setor cuja legislação conta com muitas zonas-sombra. A Força Aérea Portuguesa (FAP) é o ramo que mais profissionais tem a praticar tal ginástica, ao contrário do Exército e da Marinha (que também têm carreiras de pilotos nas suas fileiras). E essa terá sido a razão para que o chefe de Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA), general Cartaxo Alves, tenha vindo emitir um despacho, no pico deste verão, a tentar criar regras claras. Mas é tão dúbia a interpretação permitida pelo documento, sobre o “exercício de funções públicas e/ou atividades privadas em regime de acumulação por militares na efetividade de serviço”, que o cenário se mantém, alimentando, apurou a VISÃO, formas menos transparentes e éticas de captação dos pilotos.
O Ministério Público detetou esta realidade, numa averiguação preventiva que levou a cabo, em julho de 2019. Ao concluir que havia militares, sem autorização, a acumularem funções no privado, o procurador Valter Alves terá enviado essa informação para o Ministério da Defesa, avisando que poderia estar em causa a violação de estatutos profissionais e da necessidade de abertura de um procedimento disciplinar. Esse foi um dos magistrados, aliás, que investigaram a alegada existência de um “cartel do fogo” em Portugal, com base num inquérito que decorria em Espanha, em relação a empresas de meios aéreos que concertariam preços nos serviços prestados. Tal como a VISÃO revelou, em 2021, essa investigação acabou arquivada, ao contrário dos vizinhos espanhóis, que avançaram para julgamento com os mesmos factos. E em relação à recomendação ao Governo, parece que pode ter tido igual resultado.
