A guerra interna no Movimento Alternativa Socialista (MAS) pode resultar na suspensão do partido pelo Tribunal Constitucional (TC). Em causa, está o braço-de-ferro entre o “histórico” Gil Garcia e Renata Cambra, que reclamam a liderança da organização, formada em 2013, na sequência da saída dos movimentos Ruptura e Frente da Esquerda Revolucionária (FER) do BE.
O ponto sem retorno aconteceu no dia 1 de julho, quando a ala do MAS liderada por Gil Garcia, alegadamente, “cortou” o acesso à sede, contas bancárias e passwords dos e-mails e das redes sociais a Renata Cambra e seus apoiantes. A porta-voz do MAS, rosto da candidatura do partido nas Legislativas de 2022 – que se tornou conhecida no debate dos partidos sem assento parlamentar –, fala em “sequestro”. Gil Garcia diz que “[a política] subiu à cabeça” de Renata Cambra e acusa-a de “querer tomar o partido por dentro”.
Mudar – o movimento da polémica
As divergências terão começado no dia 11 de março, quando a Comissão Nacional (CN) do MAS chumbou – por 6 votos contra 5 – a proposta para uma estratégia que passava pela eventual ligação (ou coligação) do partido com o movimento Juntos Vamos Mudar, criado por professores, que pretendem transpor as lutas do setor para o espectro político-partidário, e alcançar representação parlamentar.
André Pestana, que, nos últimos meses, tem sido o rosto do Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (STOP), seria o nome em cima da mesa para avançar numas futuras eleições.
O bloco de Renata Cambra (que conta com Ângela Lima, Bruno Cancelinha, Joana Silva, Nuno Geraldes e Vasco Santos) considera que os adversários internos “lidaram mal” com o resultado da votação, passando a “questionar a legitimidade” do órgão e dos seus representantes. E acusa estes elementos de “tentarem utilizar o MAS para criarem um novo partido político”. “Não se importam, sequer, de destruir o MAS”, sublinha.
O bloco de Gil Garcia (que conta com André Pestana, Daniel Martins, João Pascoal e Flávio Ferreira) acusa Renata Cambra de “um esquerdismo infantil que quer, apenas, manter o MAS como um partido marginal”. “[A Renata Cambra] diz que queremos utilizar o MAS como ‘barriga de aluguer’ para um novo partido político, mas isso é uma falácia. Ela devia dedicar-se a lutar contra a extrema-direita, mas toda a sua raiva é dirigida a André Pestana, porque, alegadamente, ele queria ser deputado. Quem me dera ter dez ‘André Pestanas’ no Parlamento”, refere.
“Eu é que sou o presidente….”
Renata Cambra tem sido o rosto do MAS desde a campanha para as Legislativas de 2022, mas o “histórico” Gil Garcia afirma que é ele quem continua a “ser o representante legal” do partido, o que “pode ser confirmado pelo TC”. “[A Renata Cambra] só foi escolhida para ser cabeça-de-lista daquelas eleições, e estou muito arrependido dessa decisão. Nunca houve uma votação para transferir a liderança do Gil Garcia para a Renata Cambra”, garante.
A versão é rejeitada por Renata Cambra que, assegura, foi eleita em Congresso em julho de 2022. E acusa o adversário interno de utilizar uma estratégia que “não respeita a decisão dos militantes do partido”. “Só agora tive conhecimento de que os resultados do Congresso não tinham sido comunicados ao Constitucional, como deveriam. É algo que pode prejudicar muito o MAS. Queremos provar esses resultados”, diz.
Saída de André Pestana revela polémicas
Renata Cambra deixou de ter acesso à sede, contas bancárias e passwords dos e-mails e das redes sociais do MAS no dia 1 de julho. As tensões foram sendo geridas dentro de portas, mas, passados apenas dez dias, o copo transbordou com o anúncio da demissão de André Pestana do partido.
“Após mais de 10 anos de militância no MAS, que ajudei a fundar, verifico hoje que um grupo lançou uma ação destrutiva contra a liderança histórica do partido e contra militantes que têm estado na primeira linha das grandes lutas laborais, o que me leva a concluir, com tristeza, que no momento atual, este já não é o espaço onde me sinto útil para lutar”, lê-se no comunicado do sindicalista. A ala de Gil Garcia confirmava, assim, publicamente, o descontentamento.
O bloco de Renata Cambra ainda divulgou um comunicado no site do MAS (a única “ferramenta” do partido a que ainda tem acesso), para “lamentar a decisão do camarada”, imputando a responsabilidade “à ação destrutiva de um grupo interno do MAS [liderado por Gil Garcia]”.
O divórcio estava consumado – e as trocas de acusações passaram a ser públicas.
“Convites” para sair (dos dois lados)
“A Renata Cambra é a Joacine [Katar-Moreira] do MAS”, diz Gil Garcia, numa referência à polémica que envolveu a ex-deputada ao Livre, pelo qual foi eleita para a Assembleia da República, em 2019. “Infelizmente, precipitei-me [com a Renata Cambra]. O fundador do MAS insiste que Renata Cambra “não tem autoridade no MAS” e “convida-a” Renata Cambra “a sair” do partido.
Renata Cambra devolve o “convite”. A porta-voz do MAS lamenta “ter de lutar contras estas pessoas”, mas promete não recuar. “Se o MAS não lhes serve, podem ir fazer experiências noutros movimentos ou partidos, desde que o façam de forma consciente, honesta e leal”, conclui.
A bola está agora do lado do Constitucional que, sabe a VISÃO, já foi abordado pelos envolvidos para esclarecer este diferendo. O vazio sobre a liderança do partido pode, eventualmente, resultar na impossibilidade do MAS manter a sua atividade. As partes admitem este cenário. Sem acordo, resta aguardar…