A “carta de conforto” da Parpública dirigida a vários bancos, no final do processo de privatização da TAP, em novembro de 2015, foi uma exigência destes para manter o financiamento à companhia aérea. A informação foi adiantada, esta quinta-feira na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), pelo antigo secretário de Estado das Infraestruturas, Sérgio Monteiro. “Os bancos exigiram um certo conforto de que as obrigações da empresa não se extinguiam pela transferência de capital”, declarou o antigo governante.
O documento tem sido alvo de muita polémica nos últimos dias, com trocas de acusações entre antigos governantes do PS e do PSD. O primeiro a dar o tiro de partida foi Pedro Marques, antigo ministro das Infraestruturas. Ouvido na CPI, o atual eurodeputado classificou o documento – que a VISÃO revelou na íntegra – como o “momento de maior gravidade do processo” de privatização da empresa, levado a cabo pelo último governo de Pedro Passos Coelho. Em resumo, a carta da Parpública assegurava aos bancos que, em caso de incumprimento do parceiro privado, o Estado ficava obrigado a comprar a totalidade das acções da TAP, exercendo um direito potestativo.
“A privatização foi feita de um modo em que 100% dos lucros eram para o privado, mas 100% do risco era para o Estado”, alegou o antigo ministro que, quando tomou posse, já o acordo final de venda com a Atlantic Gateway estava finalizado.
Na resposta, Miguel Pinto Luz, secretário de Estado das Infraestruturas do governo PSD/CDS, que finalizou o acordo de venda da TAP à Atlantic Gateway. “Pedro Marques, o ministro responsável, conseguiu dizer que os “riscos” do direito potestativo (ou, nas suas palavras, “carta conforto”) motivaram a reversão da venda da TAP. Para que fique claro: a decisão de reverter a privatização da TAP nasceu de um soundbite de campanha de António Costa para efeitos eleitorais e políticos. A decisão já estava tomada. Independentemente da qualidade dos acordos e dos contratos que Pedro Marques, claramente não leu”, acrescentou o, hoje, vice-presidente do PSD.
Durante a sua audição, o ex-secretário de Estado Sérgio Monteiro considerou “anormal” que o Estado tenha pagado 55 milhões de euros a David Neeleman em 2020 para ele se livrar dos problemas da TAP, que ficaram para os contribuintes
O antigo governante referia-se ao auxílio à TAP em 2020, na sequência das dificuldades causadas pela pandemia de covid-19, em que a companhia voltou ao controlo do Estado, pagando ao então acionista privado David Neeleman 55 milhões de euros para sair da transportadora aérea.
Sérgio Monteiro sublinhou, segundo a Lusa, que aquela decisão do governo PS “não se esgota nos 3.200 milhões de euros do auxílio”, porque foi preciso ir pedir dinheiro, sendo, por isso, uma “conta simples de fazer”: “custa-nos mais de 200.000 euros por dia só em juros do dinheiro que injetámos”.
Para o antigo secretário de Estado, havia outra alternativa, que passava por empréstimos com garantias de Estado, “mantendo o acionista da indústria no capital e, sobretudo, não o ilibando das suas responsabilidades, como todos os outros Estados-membros”.
Sérgio Monteiro referiu que os contratos de 2015, quando a companhia foi vendida à Altantic Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa, “permitiam uma intervenção desse género, assim fosse politicamente entendida com relevante, e mediante adequadas contragarantias a essa garantia pública”, como a tomada de uma parte do capital pelo Estado.
“Ainda que se optasse por outra intervenção mais musculada, […] não teria havido pagamento de qualquer valor ao acionista privado pela sua saída”, acrescentou Sérgio Monteiro, referindo-se ao direito potestativo que o Estado teria, com os contratos de 2015, de aquisição da TAP, pagando 10 milhões de euros e retomando a totalidade do capital da companhia, ficando com o total da capitalização de mais de 220 milhões de euros, feita por David Neeleman através dos chamados fundos Airbus, bem como todos os ativos e passivos da companhia.
O antigo governante rejeitou ainda a ideia de que a privatização foi feita “à pressa, numa noite de novembro e já com o governo demitido”, dando como exemplo o grupo de trabalho que iniciou funções em outubro de 2014 e que tinha como objetivo envolver os sindicatos na elaboração do caderno de encargos da privatização, que viria a ser aprovado pelo Conselho de Ministros em janeiro de 2015.
Quanto à nova privatização que o Governo PS pretende levar a cabo, Sérgio Monteiro disse esperar que seja bem-sucedida e que o valor a encaixar pelo Estado sirva para abater a dívida contraída para o auxílio em 2020.
“Hoje, a TAP está adequadamente capitalizada, […] mas privatiza-se, acredito eu, por se reconhecer que é o melhor caminho para o seu desenvolvimento futuro. Nós também acreditávamos nisso em 2015”, concluiu Sérgio Monteiro, na sua intervenção inicial.