“Tendo em vista o referido interesse público, a Parpública pela presente confirma que efetuará, mediante o exercício do direito potestativo no acordo e dos demais direitos que lhe assistam nos termos da lei, a compra da totalidade das acções da TAP SGPS, SA em caso de incumprimento definitivo, por parte da mutuária, de qualquer obrigação pecuniária emergente do 8s) contrato(s) financeiro(s) celebrado (s) com…”
Este é o quarto parágrafo de uma carta enviada pela Parpública (entidade que gere as participações sociais do Estado), a 12 de novembro de 2015 a vários bancos, na qual, e apesar de ter vendido 61% do capital ao consórcio Atlantic Gateway de David Neeleman e Humberto Pedroso, o Estado assume-se como garante das dívidas da empresa.
O documento – que pode ler na íntegra numa cópia enviada à Caixa Geral de Depósitos, mas cujo texto é semelhante a outras remetidas ao Novo Banco, BPI, BIC, Banco Popular, entre outros – foi amplamente discutido, esta terça-feira, na Comissão de Economia e deverá voltar ao centro do debate, hoje, quarta-feira, na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP (CPI), já que os deputados voltam a ouvir Pedro Marques, antigo ministro do Planeamento e Infraestruturas, durante o primeiro governo da “geringonça”.
Aos deputados da Comissão de Economia, Pedro Marques referiu que a assinatura de tal documento foi o “momento de maior gravidade” da operação de privatização levada a cabo pelo então governo de Pedro Passos Coelho. “A privatização foi feita de um modo em que 100% dos lucros eram para o privado, mas 100% do risco era para o Estado”, alegou o antigo ministro que, quando tomou posse, já o acordo final de venda com a Atlantic Gateway estava finalizado.
E essa finalização aconteceu num único dia: 12 de novembro, dois dias depois de o programa de governo da coligação PSD/CDS ter sido chumbado no Parlamento por uma maioria de esquerda (PS, PCP, BE e PAN, 123 votos), que viria a dar lugar à “geringonça”, mas sem o PAN. Só a 12 de novembro foram assinados : o acordo de estabilidade económico-financeira; um acordo relativo à conclusão do negócio; foram apresentadas cartas de renúncias de membros dos órgãos sociais da TAP; e foram enviadas as tais cartas aos vários bancos.
“Estado não tinha controlo sobre o risco que os privados quisessem assumir na TAP”, declarou Pedro Marques, acrescentando: “Até esse momento podíamos ter um desacordo político legítimo. Naquele dia com aquela carta conforto e aquele despacho o Estado ficou nas mãos dos privados”. “A TAP, estivesse em que estado tivesse, mesmo completamente espatifada pelos privados se assim entendessem, o Estado tinha que recomprar o capital”, enfatizou. O antigo ministro – que liderou o processo de recompra da companhia, finalizado em 2017 – admitiu que as cartas enviadas aos bancos diziam respeito apenas sobre os 600 milhões de dívida à época (novembro de 2015), mas argumentou que “a carta podia ser acionada com todo o endividamento que aparecesse entretanto no futuro”, já que o texto não é claro quanto à aplicação da garantia.
Pedro Marques apontou ainda baterias para o antigo secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Miguel Pinto Luz (PSD) que, também a 12 de novembro de 2015, assinou um despacho, juntamente com a então secretária de Estado do Tesouro, Isabel Castelo Branco, dando autorização à Parpública para avançar com a carta.

“Perante um documento de tamanha importância, devo dizer que foi com imensa estranheza que vi o Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações que conclui a privatização, o agora vice-presidente do PSD, Engº Miguel Pinto Luz, afirmar reiteradamente aqui, nesta Comissão Parlamentar, que não assinou qualquer carta conforto e que até desconhece do que trata“, declarou Pedro Marques. De facto, questionado a 3 de maio na Comissão de Economia, Miguel Pinto Luz declarou: “Carta conforto? Desconheço, acho que não existiu”
Entretanto, o agora vice-presidente do PSD e vereador na Câmara de Cascais reagiu, esta terça-feira durante a noite, no Twitter à intervenção de Pedro Marques.
Refira-se que, em 2018, numa auditoria ao processo de reprivatização da TAP (2015) e posterior recompra pelo Estado à Atlantic Gateway (2017), o Tribunal de Contas tinha sinalizado as cartas conformo como um “risco subjacente”. “ A dívida financeira não garantida contraída pela TAP SGPS, antes da reprivatização, foi classificada como dívida de risco do Estado, tendo sido remetida a cada um dos oito bancos uma «Declaração» aprovada em AG da Parpública, reforçando as obrigações decorrentes das “Cartas Conforto” por ela subscritas em 12/11/2015, o que, no limite, torna a Parpública única responsável por aquela dívida perante as instituições financeiras”.
Entretanto, durante a tarde desta terça-feira, Miguel Pinto Luz emitiu um comunicado, referindo que o tal direito potestativo que consta da carta foi um “mecanismo de controlo” que o governo PSD/CDS crio ” para permitir que o Estado retomasse a propriedade da TAP. Um mecanismo que teria prevenido a necessidade de indemnizar David Neeleman em 55 milhões de euros. Como veio a acontecer”.
“Pedro Marques, o ministro responsável, conseguiu dizer que os “riscos” do direito potestativo (ou, nas suas palavras, “carta conforto”) motivaram a reversão da venda da TAP. Para que fique claro: a decisão de reverter a privatização da TAP nasceu de um soundbite de campanha de António Costa para efeitos eleitorais e políticos. A decisão já estava tomada. Independentemente da qualidade dos acordos e dos contratos que Pedro Marques, claramente não leu”, acrescentou o, hoje, vice-presidente do PSD, secretário de Estado das Infraestruturas durante 27 dias do governo de Pedro Passos Coelho, que caiu a 10 de novembro de 2015, após o chumbo do respetivo programa.
Miguel Pinto Luz refere ainda que Pedro Marques não conseguiu ainda explicar o pagamento de 55 milhões a David Neeleman para sair da companhia.