“Não queremos nada com a extrema-direita, mas também não queremos nada com este Partido Socialista. Queremos ser nós próprios. Um partido social-democrata de centro-esquerda, como sempre disse e defendeu (…) Francisco Sá Carneiro”.
As palavras do fundador e ex-presidente do PSD, Francisco Pinto Balsemão, num vídeo exibido no início da sessão comemorativa do 49.º aniversario do partido – que decorreu em Coimbra, sábado, dia 6 – serviram de rastilho à (velha) discussão sobre qual é, afinal, o posicionamento político-ideológico do PSD: centro-esquerda ou centro-direita?
Dentro do PSD, as palavras do ex-primeiro-ministro (1981-1983) não passaram despercebidas. As reações, porém, foram poucas e contidas. Os comentários nos média, multiplicaram-se. Nas redes sociais, ‘Pinto Balsemão’ tornou-se viral nas 24 horas seguintes. Já esta segunda-feira, a VISÃO tentou perceber o impacto destas palavras no interior do partido. E qual o seu (verdadeiro) “peso” para a estratégia do atual PSD de Luís Montenegro.
Hugo Soares, por exemplo, prefere desvalorizar as palavras de Pinto Balsemão “sobre direita ou esquerda…”. O secretário-geral do PSD opta, por sua vez, por elogiar o que diz o fundador do partido sobre a relação com os seus principais concorrentes. “[Pinto Balsemão] foi extremamente feliz em duas expressões que utilizou e que, penso, definem bem o posicionamento do atual PSD: ‘Não queremos nada com a extrema-direita, mas também não queremos nada com este Partido Socialista’. Creio que isto define bem qual é o posicionamento do atual PSD, não somos extremistas nem somos socialistas”, sentenciou Soares.
O anterior secretário-geral do PSD (da direção de Rui Rio), José Silvano, afinou pelo mesmo diapasão, também relativizando as declarações de Pinto Balsemão, e preferindo elogiar a “coerência” do ‘barão’ do PSD. As palavras de Pinto Balsemão, sublinha, “são as de sempre” e apenas vinculam o próprio.
“Não podemos transferir para os tempos atuais o que disse Pinto Balsemão, que fala todos os anos nos aniversários do PSD, na qualidade de fundador do partido, aliás, o único vivo [Sá Carneiro e Joaquim Magalhães Mota já faleceram]. Quem o conhece sabe que sempre se assumiu como um homem de centro-esquerda, mesmo quando foi primeiro-ministro do PSD. Sempre assim foi. Portanto, as suas declarações são, apenas, um ato de coerência”, diz.
Questionado se será esta a melhor estratégia para o partido – numa fase em que o espaço do centro-esquerda parece ocupado pelo PS, enquanto parte do centro-direita parece seduzido pelo Chega –, José Silvano admite “que tem dúvidas”. “Importante, na minha opinião, é o PSD, de facto, se desligar do Chega, para tentar ganhar apoios no centro-esquerda, que não é PS, e no centro-direita que, quando o PSD ganhava eleições, sempre foi fundamental. O PSD, aliás, sempre ganhou votos à esquerda e à direita, e todas essas sensibilidades continuam a existir no interior do partido”, conclui o agora deputado.
Também António Leitão Amaro destaca que “a questão das etiquetas não é a mais importante”, desvalorizando a discussão sobre se o partido é de centro-esquerda ou de centro-direita. Pelo contrário, Leitão Amaro repete a velha máxima que o PSD “é muitos partidos num só”. Realçando, novamente, que o seu espaço político é muito distinto da atual concorrência – tanto de PS como de Chega.
“Somos alternativa ao socialismo e estamos à direita do PS. Isso parece-me evidente”, afirma, convicto. O vice-presidente do PSD recorda, no entanto, que “dentro do PSD há espaço para pessoas como Pinto Balsemão, que se sentem de centro-esquerda, mas também para pessoas que se sentem próximas de vários centro-direita, mais liberais, mais conservadoras, mais democratas-cristãos… Os únicos que não têm espaço neste partido são os movimentos radicais, ideologias e atitudes populistas e extremistas”, refere.
Mais importante que “colar uma etiqueta” ao PSD, António Leitão Amaro acredita que o partido “deve dar às pessoas o conforto de um programa, de uma cultura e de uma atitude política distinta das do PS, que se destaca por ser um partido altamente instrumentalizador do Estado. Nisso, o PSD é claramente diferenciador”, destaca.
PSD de centro-esquerda? “É uma falácia”, diz José Filipe Pinto
Mais crítico com as declarações de Pinto Balsemão é José Filipe Pinto. “É contraproducente ligar o PSD ao centro-esquerda. Atualmente, não traz nenhuma vantagem ao partido”, diz o politólogo.
“Compreendo que existe a necessidade de distanciar o PSD do Chega, como fez Pinto Balsemão, mas, também por isso, não faz muito sentido, neste momento, posicionar os sociais-democratas num espaço político ocupado pelo PS. É preciso, isso sim, encontrar alternativas no espectro democrático à direita, e é aí que o PSD pode recuperar votos ao partido de André Ventura. O espaço político do PSD é, sem dúvida, o centro-direita”, afirma o académico.
A própria justificação com o passado iniciático dos sociais-democratas não convence José Filipe Pinto. O professor universitário esclarece que o estatuto de Pinto Balsemão lhe dá “autoridade” para falar sobre o PSD, mas considera que situar o partido no centro-esquerda “é uma falácia”. “O PSD apenas se identificou com o centro-esquerda numa fase inicial, logo após a sua fundação [em maio de 1974], numa fase em que tudo o que soasse a direita tinha uma conotação com o Estado Novo”, recorda.
“Foi uma situação conjuntural, nada de estruturado. O partido surgiu, isso sim, como uma alternativa ao PCP e PS, que passaram a reclamar ser ‘donos’ da Revolução do 25 de Abril, procurando aglutinar as pessoas que representavam a Ala Liberal do Estado Novo, pessoas que queriam uma sociedade democrática, mas, simultaneamente, não tinham nada a ver com as visões da ditadura do proletariado do PCP ou com a esquerda marxista do PS”, conclui José Filipe Pinto.