De camisa azul-clara, com as mangas arregaçadas e umas calças de ganga – roupa que há de repetir nos três dias seguintes, quase como se de um uniforme se tratasse –, Paulo Raimundo sai disparado do Toyota Avensis cinzento, assim que lhe é aberta a porta do veículo por um camarada que o acompanha numa agenda intensa, que dura há seis meses. Para o homem a quem cabia a ligação entre o PCP e o movimento sindical, até novembro de 2022, os ajuntamentos de trabalhadores em protesto são um cenário a que está habituado a mover-se. É por isso que ali, junto aos portões da empresa Visteon, em Palmela, e na véspera de o Parlamento debater uma proposta do partido sobre o trabalho por turnos, o secretário-geral comunista não se mostra acanhado e rapidamente dispara: “Pá! A gente tem o turno do trabalho e o turno da vida. Com esta porrada que a malta leva, trabalhar à noite é uma chatice.”
Sem os habituais filtros dos profissionais da política e longe de replicar o uso generalizado de provérbios, como fazia o antecessor Jerónimo de Sousa, o tom coloquial de Raimundo surge de enxurrada e apanha de surpresa todos os que se manifestam por melhores condições de trabalho, debaixo da torreira trazida por uma das tardes de abril mais quentes em muito tempo. E isso é percetível na cara daqueles trabalhadores, que reagem com admiração face a tal postura, principalmente na de Joana Pinto, que Raimundo escolhe como interlocutora por, durante muito tempo, ter tido um segundo trabalho após sair do turno da uma às oito da manhã. “Eles [os patrões] vão-se enchendo. A gente trabalha, e eles enchem-se. É muita mau. A gente aqui apertada [faz o gesto de apertar uma rosca], por tudo e um par de botas. Um gajo paga tudo. O nosso inimigo também pensa bem. É muita malta a pensar nisso e muitos anos a virar frangos”, atira o comunista, o mesmo que foi anunciado como novo secretário-geral do PCP, num inesperado comunicado da Soeiro Pereira Gomes, a 5 de novembro de 2022, após 18 anos de liderança de Jerónimo de Sousa.