O burburinho foi imediatamente geral entre os deputados da Assembleia Municipal de Lisboa (AML), ao início da noite de terça-feira, assim que a presidente deste órgão, Rosário Farmhouse (PS), deu como aprovada a proposta do Executivo de Carlos Moedas, para a obtenção de um empréstimo de 15,3 milhões destinado à Jornada Mundial da Juventude (JMJ).
“Onze votos contra, 33 abstenções, 25 votos a favor e seis ausentes da sala”, apontou Farmhouse, motivando várias dúvidas se o regimento teria sido cumprido, por se tratar de uma votação nominal [cada deputado conta em vez de ser uma votação geral por bancada] e pela lei estabelecer que é necessária uma maioria absoluta ou qualificada [dois terços] quanto estão causa este tipo de iniciativas. Ora, as dúvidas esclareceram-se ao longo da noite e, já nesta quarta-feira, a conclusão foi clara: o que aconteceu ontem foi um chumbo e não uma aprovação, tendo em conta que o regimento obrigava que tivessem havido 38 votos a favor.
Assim, os 15,3 milhões de euros para a visita do Papa irão voltar à AML na próxima terça-feira e Carlos Moedas precisa de convencer o PS a votar ao lado da direita – ou, pelo menos, contar com oito deputados dos 33 que se abstiveram, revelou à VISÃO fonte próxima do social-democrata.
A favor votaram as cinco forças que integram a coligação de direita Novos Tempos: PSD, CDS-PP, MPT, PPM e Aliança. O Chega, BE, PEV, Livre e PAN votaram contra. Abstiveram-se o PS, PCP e a Iniciativa Liberal. Dos dois deputados dos Cidadãos Por Lisboa (eleitos pela coligação PS/Livre e que estão como deputados não inscritos), Miguel Graça votou contra e Daniela Serralha absteve-se.
Destinado a financiar a estabilização do aterro de Beirolas, a ponte ciclo pedonal sobre o rio Trancão – cuja construção está a cargo da empresa municipal EMEL -, o estacionamento e o palco da JMJ, o empréstimo vai ser contraído pela Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) junto da Caixa Geral de Depósitos (CGD).
PS: LUZ VERDE TEM CUSTOS
À VISÃO, Manuel Portugal Lage, líder da bancada socialista na AM, adiantou que “não houve logo uma percepção imediata que a proposta não tinha sido aprovada”. Tendo em conta que a iniciativa terá de voltar a ver a votação repetida, o Lage mostra “disponibilidade” do PS para a fazer aprovar, “mas Carlos Moedas tem de explicar, de uma vez por todas, quanto vai gastar e onde vai gastar a Câmara na Jornada Mundial”.
“Iremos viabilizar o empréstimo. Só que não nos moldes que a maioria relativa pretenderá. O PS não vai passar cheques em branco. Emprestaremos oito deputados a Carlos Moedas, para fazer passar a proposta, mas queremos ver satisfeitas as nossas exigências sobre este processo até terça-feira: primeiro, saber o valor que a Câmara vai gastar com a Jornada Mundial através da SRU e, em segundo, que a SRU volte a incluir no seu orçamento os cinco equipamentos sociais, de grande importância para a cidade, que a direita decidiu retirar no anterior orçamento”, defendeu Manuel Portugal Lage, apontando achar “estranho” que o empréstimo seja justificado com as obras no aterro de Beirolas e a construção de ponte ciclo pedonal, quando “essas intervenções já foram alvo de um concurso, já estão a decorrer, e o que significa que já contavam com uma cabimentação financeira”.
O PS exige saber se o orçamento da SRU, que poderá dar entrada em meados de maio na AML, volta a prever a construção de “duas escolas , dois centros de saúde e um centro intergeracional”, que, em 2022, “o Executivo de Moedas tirou do orçamento que está em vigor”. Refira-se que na votação desse orçamento, o líder do PSD na AML, Luís Newton, não só criticou a retirada dessas obras do orçamento, como provocou uma pequena crise política à direita, quando provocou o chumbo do documento numa primeira votação.
Manuel Lage estabelece as linhas vermelhas para o socialistas: “Queremos saber o orçamento verdadeiro da JMJ e queremos ter a garantia de que este Executivo não mantém de fora do orçamento da SRU a construção desses cinco equipamentos, numa altura em que a Câmara tem um orçamento de 1,3 mil milhões de euros e em que a receita do IMT ultrapassa a do IMI. E isso são informações que exigimos ter para emprestar um número de deputados suficiente. Carlos Moedas ou faz-nos de chegar até terça feira informações sobre esses valores ou não teremos condições para dar tal passo. Porque temos o exemplo do Plano de Ação Climática da cidade de Lisboa, aprovado em março de 2022, e até hoje ainda não foi remetido à AML. Mas atenção: isto não é o Far West e não estamos ‘com faca de liga’, o PS é um partido responsável“.
“Na reunião de terça-feira feira o líder de bancada socialista anunciou à AML que o partido iria viabilizar a proposta, quando sabia que a abstenção não seria suficiente. E hoje, depois de se conhecer o erro dessa votação, inconsciente ou deliberada, em declarações à imprensa, vem impor contrapartidas para a aprovação da proposta. Algo que ontem disseram que não fariam. Mais, como se não tivesse sido o PS a parte ativa no compromisso para a realização da JMJ.”, acusa o líder da bancada laranja, Luís Newton, que é também o presidente da concelhia do PSD/Lisboa
REGIMENTO É CLARO
O Artigo 66.º do Regimento da Assembleia Municipal de Lisboa, para o mandato 2021-2025, no seu número 5, estabelece que, nos casos de propostas como a que aqui está em acusa, a votação deve ser feita de forma nominal; sendo que as iniciativas só são consideradas aprovadas por uma maioria absoluta ou uma maioria qualificadas. Como a AML tem 75 deputados municipais, o empréstimo precisa de contar com 38 votos a favor.
É a lei 75/2013, de 12 de setembro, que estabelece o Regime Jurídico das Autarquias Locais, que na sua alínea F, do numero 1 do Artigo 25.º, impõe à AML dar luz verde a este tipo de empréstimos.
A VISÃO tentou obter uma reação de Rosário Farmhouse, presidente da AML, logo após a votação, na terça-feira, e já esta quarta-feira, mas sem sucesso.
Durante a tarde, a presidente da AML emitiu um comunicado, onde assume que “anunciou o resultado da votação dando a proposta como aprovada, tendo em consideração que a maioria absoluta dos votos se calcularia em relação aos votos expressos (contra e a favor) que totalizam 36 e não em relação ao universo dos 75 membros da Assembleia Municipal de Lisboa em efetividade de funções, conforme a lei determina”.
“Verificado que foi um lapso, o resultado da votação foi no sentido de rejeição da proposta. Deste modo, e caso assim o entenda, poderá o Executivo da CML elaborar uma nova proposta relativa à mesma matéria e submetê-la à apreciação e votação da Assembleia Municipal de Lisboa numa próxima sessão”, refere no comunicado.
* Artigo atualizado, primeiro, às 19.30 com o comunicado da presidente da AML, Rosário Farmhouse e, de novo, às 23.20 com reação do PSD às declarações do líder da bancada do PS/AML