“Fui surpreendido com este projeto e com este valor para o altar-palco” diz à VISÃO José Sá Fernandes, coordenador da equipa de missão por parte do Estado para as Jornadas Mundiais da Juventude que vão acontecer em Agosto, para as quais são esperadas cerca de 1,5 milhões de pessoas.
“Alertei sempre para a Câmara não deixar resvalar os custos desta estrutura. Quando o novo executivo camarário tomou posse, há mais de um ano, já existia o esboço de um altar mais simples, com base em contentores, com uma estimativa de custos preliminar de cerca de 1,5 milhões. Em Maio, o executivo de Carlos Moedas apresentou-nos um outro desenho, que custaria cerca de 3 milhões de euros. E agora, há cerca de um mês, surgiu esta nova versão feita também pela SRU, que tem uma pala de cobertura maior e exige fundições mais profundas, algo que encareceu muito a obra”, explica. “O problema está na solução encontrada”, sublinhou.
O tema levantou agora polémica, quando se soube que na construção deste altar-palco, que poderá receber mais de 2000 pessoas, a autarquia de Lisboa vai pagar em ajustes diretos 4,2 milhões de euros (valor ainda sem o IVA), ao qual se juntam mais 1,06 milhões de euros destinados às fundações. Ou seja, contas feitas: seriam gastos mais de 6 milhões de euros apenas nesta edificação.
Entre os três projetos para o palco que vai receber o Papa Francisco vão por isso mais de 4,5 milhões de diferença. José Sá Fernandes lamenta esta evolução para um novo projeto com estas características, que considera desnecessária. “Seria possível fazer uma coisa igualmente bonita, obedecendo às especificações pedidas pela Igreja, mas muito mais barata”, diz. E acrescenta: “Os maiores palcos de concertos do mundo, para os U2 ou Madonna, custam cerca de 300 mil euros. Mesmo pensando que poderia ser algo cinco vezes maior, estamos a falar de valores muito diferentes”.
A última estrutura para acolher a vinda do papa Bento XVI, em 2010, custou cerca de 300 mil euros.
Três projetos para o mesmo altar-palco
O projeto das Jornadas Mundiais da Juventude envolve a articulação de três entidades distintas – poder central (Governo, que entregou a José Sá Fernandes a coordenação destas tarefas), o poder local (Câmaras Municipais de Lisboa, Loures e Oeiras) e a Fundação JMJ Lisboa 2023, presidida por Américo Aguiar, do patriarcado de Lisboa.
Sobre o novo altar-palco José Sá Fernandes não tem ainda detalhes – pediu mas não recebeu ainda da CML o plano de execução, nem conhece a carta-convite feita à Mota Engil. Tal como sublinhou em novembro, quando esteve em audição na Assembleia da República, Sá Fernandes diz que é preciso mais transparência por parte das câmaras para se conhecer a forma como serão gastos os seus orçamentos relativos a este projeto.
O responsável sublinha que a equipa de missão que preside não tem poder de decisão nem tão pouco de fiscalização sobre os executivos camarários de Lisboa e de Loures. “Há separação de poderes, o Governo não pode dizer às câmaras como vão gastar o seu dinheiro.”
Quem fez o quê
“Quando cheguei aqui eu comecei do zero, não estava nada feito”, disse Carlos Moedas esta manhã, justificando o aumento das despesas. Em Julho, o Presidente da Câmara alertou para os custos do projeto e disse que a autarquia não tinha capacidade de assumir uma série de tarefas que estavam a cargo da autarquia, e estas acabaram por ser assumidas pelo Governo.
José Sá Fernandes discorda e afirma que o executivo camarário anterior deixou as coisas mais importantes preparadas e o mesmo aconteceu do lado do Governo. “As coisas essenciais estavam feitas ou lançadas quando Carlos Moedas tomou posse. A preparação do terreno, no valor de 7,5 milhões, estava pronta a ser adjudicada. A ponte pedonal, no valor de 4 milhões, já foi adjudicada. Tirar os contentores de Loures e tratar do aterro, que valia 8 milhões, está feito. Limpar todos os terrenos e construir as estradas, obra no valor de 5 milhões, vai começar agora. E todas estas obras foram elogiadas por este executivo em Abril”, sublinha.
Da parte que tem a seu cargo, José Sá Fernandes assegura que todas as obras maiores, superiores a 120 mil euros, serão feitas por concurso público. “Só farei ajuste direto numa obra mais pequena e mesmo assim reunimos 10 propostas”, afirma.
Marcelo Rebelo de Sousa, entusiasta do projeto desde o primeiro dia, está agora mais cauteloso. O Presidente da República disse que o investimento tem de ser reaproveitado no futuro e que as despesas têm de ser bem explicadas, não se satisfazendo com as explicações apresentadas até agora. “É preciso respeitar a maneira de ser do Papa Francisco. É um Papa contrário ao que seja espaventoso. Deve ser simples e à sua medida”.
Uma pressão que surtiu efeitos. “Confesso também que o número me magoou, e magoou-nos a todos”, afirmou o bispo Américo Aguiar, em conferência de imprensa, em Lisboa, realçando o contexto das “dificuldades” económicas “das famílias”. Esta tarde em conferência de imprensa, referiu que, “nos próximos dias”, a organização da JMJ vai reunir-se com as equipas responsáveis pelo projeto para aferir “qual a razão desse valor”. E “parcelas que puderem ser eliminadas, pediremos para serem eliminadas”, frisou. Carlos Moedas acusou o toque, e já disse que fará o que for possível para agradar ao Presidente e à Igreja Católica.
Apesar das polémicas, Carlos Moedas está tranquilo com os resultados: Acredita que o retorno do investimento na Jornada Mundial da Juventude “vai ser multiplicado por 10 ou por 20”.
Já José Sá Fernandes coloca o foco nos objetivos:” “O que eu quero é que isto corra tudo bem. E que se consiga articular as coisas. Este é um evento muito importante para o País e vai ser fantástico.”
Nota: Texto atualizado às 20h30 com declarações de Américo Aguiar e Carlos Moedas.