A 24 de dezembro, véspera de Natal, o Correio da Manhã revela que a TAP pagou meio milhão de euros à sua ex-administradora Alexandra Reis, entretanto nomeada secretária de Estado do Tesouro. O montante fez parte do acordo de rescisão celebrado, em fevereiro, entre a companhia aérea e a sua antiga vogal. Dois dias depois, dois ministros enviam à transportadora pedidos de esclarecimentos sobre o polémico acordo de rescisão. Nesse momento, Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas, com a tutela da TAP, e Fernando Medina, ministro das Finanças, “chefe” da secretária de Estado do Tesouro, tinham percebido a dimensão do escândalo. E ambos procuravam uma forma de, através das respetivas “averiguações”, identificar uma responsabilidade – e encontrar, para si próprios, um “ponto de fuga”.
No dia 27, circulava no Governo a possibilidade de um choque de titãs no Conselho de Ministros, entre Medina e Pedro Nuno Santos
No dia 27, circulava, em meios governamentais, a informação de que a mesa do Conselho de Ministros estava à beira de um choque de titãs entre Pedro Nuno Santos e Fernando Medina, adversários inconciliáveis, na luta pela futura sucessão, no PS, e com relações pessoais reconhecidamente difíceis. Especulava-se que ambos estavam empenhados em procurar um pretexto para afastar o rival. Mas esse jogo florentino não podia disfarçar o essencial que estivera na origem do problema: como foi possível que a TAP, uma empresa pública a lutar contra a falência, chorudamente intervencionada com o dinheiro dos contribuintes, aceitasse pagar uma indemnização daquela dimensão a alguém que por ali passara um breve período de dois ou três anos? Como fora possível a autorização para que o acordo fosse assinado com alguém que pouco depois, seria contratada pelo mesmo “patrão” – o Estado – para assumir a presidência de outra companhia pública, a empresa de navegação aérea NAV Portugal? E como tinha escapado à malha da tutela – ou da dupla tutela de Alexandra Reis, agora integrada no Governo e sob a alçada de Medina – os termos de um contrato que, pelos números envolvidos, devia ter exigido a luz verde, ao mais alto nível, antes de o cheque ser assinado? E com que cara continuaria a tutela a pedir sacrifícios aos trabalhadores da TAP – muitos deles já de saída com modestos acordos de rescisão negociados pela mesma administradora de quem, agora, se falava?
Na esfera da opinião pública, a bola de neve do escândalo não parava de crescer. Era impossível, politicamente, tomar as habituais meras medidas de controlo de danos. Não era apenas a imprensa a pedir explicações ao Governo. Não eram apenas as redes sociais a alimentar, 24 sobre 24 horas, um caso que parecia descontrolado. Embora com nuances importantes, do mero silêncio à exigência de explicações, também o Presidente da República proclamava, alto e bom som: “O Presidente da República nomeou, eu nomeei-a há cerca de um mês como secretária de Estado no Ministério das Finanças” e é preciso que o ministro “tenha noção da plena capacidade de uma colaboradora fundamental para poder exercer as suas funções”. No dia 27, ao princípio da noite, o Ministério das Finanças anunciava que a secretária de Estado do Tesouro tinha sido exonerada.
Mas Alexandra Reis era, apenas, a primeira vítima: dando, aqui, um pequeno salto no tempo, a dado passo, no comunicado desta madrugada, divulgado pelo Ministério das Infraestruturas, diz-se o seguinte: “O secretário de Estado [das Infraestruturas] não viu incompatibilidades entre o mandato inicial dado ao Conselho de Administração da TAP e a solução encontrada”. Mais adiante, acrescenta: “No seguimento das explicações dadas pela TAP, que levaram o ministro das Infraestruturas e da Habitação e o ministro das Finanças a enviar o processo à consideração da CMVM e da IGF, o secretário de Estado das Infraestruturas entendeu, face às circunstâncias, apresentar a sua demissão”. Ou seja, no ministério de Pedro Nuno Santos, embora de forma mais discreta, também já rolavam cabeças. Mas não chegava.
Segundo apurado pela VISÃO, ao longo do dia de ontem, 28, o Governo começava a isolar Pedro Nuno Santos, perante sucessivas informações a deixar passar a ideia de que Medina não sabia de nada – nem tinha de saber, visto que, à data da celebração do acordo de rescisão entre a TAP e Alexandra Reis, em fevereiro deste ano, Fernando Medina ainda nem sequer tinha assumido o cargo de ministro das Finanças. Tudo escorria numa espécie de funil em direção a Pedro Nuno Santos: o próprio Medina, em declarações à RTP, reiterou essa posição: “Só soube do caso quando, no sábado, as notícias vieram a público”. E surpreendido, pediu esclarecimentos à TAP dois dias depois. Mais, quando nomeara Alexandra Reis, desconhecia completamente os termos do acordo de rescisão celebrado tantos meses antes, isto é, numa altura em que nem sequer estava no Governo. Pelo seu lado, Marcelo augurava outras saídas no Governo (para além da de Alexandra Reis) e Belém aguardava mais esclarecimentos de Pedro Nuno Santos. O cerco ao ministro estava montado.
Ao longo do dia 28, o Governo começou a dar sinais para o isolamento de Pedro Nuno Santos. Medina até recordou que, à data dos factos, nem sequer era ministro…
A nomeação de Alexandra Reis, tão enfatizada numa das várias declarações de Marcelo (referida acima), surgiu, recorde-se, na sequência da remodelação de secretários de Estado operada há pouco mais de um mês, isto depois de outro caso grave no Governo: o affair Miguel Alves. O ex-autarca de Caminha foi mandado buscar ao Minho por António Costa, para assumir as funções de secretário de Estado Adjunto, por forma a melhorar a prestação do Gabinete, no âmbito da coordenação do Governo. Passado um mês – período de tempo que parece servir de validade aos governantes que vão entrando – a imprensa revelava a existência de duas investigações, visando a autarquia de Caminha, em que Miguel Alves era arguido. Numa delas viria, aliás, a ser objeto de acusação, por prevaricação. Neste transe, António Costa não podia ter sido menos certeiro, na sua escolha. O facto de conhecer bem Miguel Alves, de já ter trabalhado com ele e de confiar no escolhido, não invalidava a sua condição de arguido (de que Costa reconheceu estar a par), num caso que tresandava. Mas, mesmo assim, foi buscá-lo. Depois de 14 dias de escrutínio público e de agonia, Miguel Alves demitiu-se. Costa deixou que o processo de aprovação do Orçamento decorresse e depois, aproveitando a oportunidade, operou várias mexidas, desembaraçando-se, também, dos dois secretários de Estado do Ministério da Economia, que tinham desautorizado o ministro António Costa Silva. Às Finanças foi buscar, para novo secretário de Estado adjunto, António Mendonça Mendes, irmão da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes – o que, já de si, invocou, durante alguns dias, os velhos tempos dos casos de endogamia no Governo. As mexidas no Ministério das Finanças implicaram, depois, a nomeação de uma nova secretária de Estado do Tesouro, precisamente, Alexandra Reis, que transitava da presidência da NAV Portugal. Alegremente, como bem recordou, o Chefe de Estado nomeou os novos governantes – e as suas declarações desta semana revelam um Presidente que se sente enganado.
Por referir os termos da demissão do secretário de Estado das Infraestruturas – que, pelos vistos, precedeu a do ministro – o comunicado que anuncia a saída de Pedro Nuno Santos dá-nos a chave da demissão do próprio ministro. Afinal, a “delegação de competências” referida no comunicado, sobre o aval ao acordo entre TAP e Alexandra Reis, é uma confissão de que o ministro reconhece que devia saber que estavam em causa meio milhão de euros. E que o ministro reconhece que não devia ter delegado competências para que um secretário de Estado tomasse uma decisão “desse preço”. Este é, nas entrelinhas, o motivo pelo qual Pedro Nuno Santos se demite. Mas não vai sem luta: no mesmo comunicado,, diz-se que “todo o processo foi acompanhado pelos serviços jurídicos da TAP [de que a mlher de Medina faz parte] e por uma sociedade de advogados externa à empresa e contratada para prestar assessoria nestes processos” – faltando saber quanto ganharam os advogados contratados com isto tudo. Mas a mulher de Fernando Medina tem um alibi perfeito: na altura em que estas negociações ocorreram, ela estava ausente, no gozo de licença de parto.
Entre várias outras dúvidas que subsistem, essenciais para esclarecer todo este processo, é saber se Alexandra Reis foi levada a rescindir o contrato ou se pediu para sair pelo seu pé – como disse a TAP no comunicado enviado à CMVM, quando da respetiva rescisão. Até para determinar a efetiva legalidade da indemnização. Ou a TAP mentiu, o que é grave, ou disse a verdade, o que também é grave, face ao desfecho do caso – e do meio milhão de euros.
Resta saber, agora, qual o futuro político de Pedro Nuno Santos – e o que ele vai “andar por aí” a fazer. É muito provável que, na perceção da opinião pública – o que é um padrão, nestes casos… – ele saia bem visto, por ter sido, como se diz sempre nestas alturas, o único que “tirou consequências” e se comportou com dignidade. A saída do Governo, neste momento, pode revelar-se, a longo prazo, positiva para as suas ambições políticas. Pedro Santana Lopes já disse que “pela bitola de Jorge Sampaio, este Governo já teria sido demitido há muito tempo”. Ora quando se chega a este ponto, o melhor é ficar de fora.