João Cotrim de Figueiredo anunciou de forma inesperada, neste fim-de-semana, a sua vontade de deixar antecipadamente a liderança da Iniciativa Liberal. Mas não foram precisas nem 48 horas para se perfilaram logo dois candidatos à sucessão. O debate interno faz-se, para já, entre os dois deputados nacionais Rui Rocha (o candidato apoiado pelo ainda presidente) e Carla Castro (que deverá representar uma ala mais conservadora do partido); sem prejuízo de se vir a juntar pelo menos um terceiro elemento – o deputado municipal de Mafra, Nuno Simões de Melo, que já tinha uma lista preparada para o Conselho Nacional e que, se não encontrar eco das suas ideias na segunda lista, admite avançar também.
Reconhecido em 2017, o partido teve três líderes em cinco anos: Miguel Ferreira da Silva (atualmente deputado municipal da IL em Lisboa); Carlos Guimarães Pinto (deputado) e João Cotrim de Figueiredo, que assumiu o lugar em 2019, depois de ter conquistado o primeiro lugar na Assembleia da República do partido, e foi reconduzido, em dezembro de 2021, com 94% dos votos. Cotrim deixará o mandato a meio – apesar de permanecer como um dos oito parlamentares liberais na Assembleia – por considerar que não é a pessoa ideal para incorporar uma oposição mais “combativa” e “popular” à maioria absoluta socialista e provoca assim a primeira luta eleitoral interna da IL.
Os militantes vão poder escolher entre, pelo menos, dois deputados. Sendo que Cotrim já apadrinhou a lista à Comissão Executiva encabeçada por Rui Rocha, que se lançou na corrida quase de imediato e a pedir um adiamento de dezembro para janeiro da próxima Convenção do partido, de forma a que os candidatos tenham tempo para se prepararem. Mas a data da reunião magna dos liberais só deverá ficar fechada em novembro.
Rui Rocha, a continuidade
Sob o lema “Liberalismo para Todos”, a candidatura do deputado que integra as comissões de Agricultura e Pescas e do Trabalho, Segurança Social e Inclusão no Parlamento tem dois objetivos, como explicou o próprio nas suas redes sociais: “Continuar o atual sucesso da IL e popularizar o Liberalismo pelo país, afirmando as ideias e os valores liberais com convicção e humildade para transformar Portugal num país mais próspero, mais justo e mais livre”.
Rui Rocha, 52 anos, é licenciado em Direito e trabalha, desde 2012, como responsável de recursos humanos da Sonae Fashion. Muito ativo nas redes sociais, já foi colunista no jornal “Novo” e agora escreve no “Expresso”. É um dos vogais da Comissão Executiva do partido e a sua candidatura representa uma continuidade na forma como a IL tem sido conduzida nos últimos anos. Não só é o candidato do atual líder como de várias pessoas próximas da esfera de Cotrim, que não terá apanhado Rocha de surpresa. É o que sugere a diferença de minutos entre os dois comunicados (o da demissão do atual presidente e o anuncio da candidatura de Rui Rocha), bem como a estrutura já organizada: Rui Rocha terá como seu diretor de campanha o deputado Bernardo Blanco e recebeu o apoio das parlamentares Joana Cordeiro e Patrícia Gilvaz.
Presta-se, desde logo, a assumir a tal oposição de que Cotrim se quer demitir. “Iremos fazer uma oposição feroz e combativa ao modelo de desenvolvimento falhado que o PS implementa no país; continuar com a equipa que sabe vencer e que fez crescer de forma impressionante a Iniciativa Liberal com o Carlos Guimarães Pinto e com o João Cotrim Figueiredo; e continuar o movimento cultural liberal, com uma comunicação mais popular e com maior presença junto dos portugueses”.
Acredita também que o futuro da IL passa por se expandir no território, especialmente em zonas suburbanas e do interior, mas também a nível de conteúdo, que deve ser cada vez mais abrangente para que a IL possa chegar a outros públicos.
“Iremos desenvolver uma alternativa política de matriz claramente liberal em áreas fundamentais para a vida dos portugueses como a habitação, a mobilidade, a transição energética, a segurança, a revitalização urgente do interior do país e a revisão da avaliação da Função Pública”, nomeou logo por altura do anuncio da sua candidatura.
Carla Castro e ala mais conservadora
A deputada não terá beneficiado do mesmo aviso que Rui Rocha; foi antes “apanhada de surpresa” com a decisão de Cotrim. Mesmo assim, a ideia não levou tempo praticamente nenhum a cimentar-se na sua cabeça e, nesta terça-feira de manhã, anunciou, no fórum da TSF, também a sua disponibilidade para protagonizar uma alternativa, que muitos liberais associam a uma ala mais conservadora do partido. A VISÃO sabe que recebeu o incentivo de militantes que não se identificam tanto com Cotrim e que têm vindo a pedir mais pluralidade de opiniões nos órgãos do partido.
Um destes militante é o deputado municipal de Mafra, Nuno Simões de Melo, que encabeça uma lista de “oposição” ao Conselho Nacional e que vê o nome de Carla Castro “como uma lufada de ar fresco”, disponibilizando-se para negociar um possível apoio à sua candidatura. “No entanto, não está descartada a possibilidade de uma terceira via à Comissão Executiva”, ressalva o coronel Simões de Melo, que se tornou militante da IL há um ano.
Carla Castro, 44 anos, por sua vez, tem percurso dentro do partido. Chegou à Assembleia da República logo em 2019 para assessorar Cotrim de Figueiredo, quando este era ainda deputado único. Destacando-se também desde cedo no gabinete de estudos do partido – trabalho que lhe valeu uma ovação na última convenção nacional.
Para já, sabe-se que conta com o apoio do antigo líder Miguel Ferreira da Silva para o seu projeto “Crescimento e mobilidade social”, sobre o qual promete ter mais novidades nos próximos dias.
Quanto à campanha contra o colega de bancada, a deputada antecipa que terão “certamente diferenças quer do ponto de vista da gestão interna do partido, quer de modos e prioridades externas, isso é natural, sendo que ambos temos uma matriz de liberalismo político, económico e social e ambos respeitarmos a matriz da qual temos feito parte deste crescimento de sucesso da Iniciativa Liberal, porque ambos, de formas diferentes, contribuímos para este crescimento”, disse à TSF.
João Cotrim de Figueiredo, 61 anos, explicou, no domingo, num comunicado divulgado nas suas redes sociais, que acredita que “a estratégia para que o partido continue a crescer deve ser diferente daquela que o fez crescer de forma significativa até agora”. Por isso – e apesar de ter sido uma decisão “pessoal e politicamente difícil” de tomar -, o líder quis dar tempo à equipa que será eleita para se preparar com “suficiente antecedência em relação aos próximos atos eleitorais, que terão lugar já a partir do segundo semestre de 2023”.
Até porque, como Cotrim admitiu à CNN Portugal, começou a fazer contas e entendeu que não estaria disponível para representar o partido nas legislativas de 2026. Se assim fosse, levaria sete anos de liderança a que somaria outros quatro da legislatura seguinte, o contrário daquilo que a IL defende quando se diz um partido de ideias e não de rostos.