1:45. Madrugada de uma sexta-feira. A pacata vila alentejana de Castelo de Vide, distrito de Portalegre, mesmo em festa com uma feira medieval, há já algumas horas que descansa. O som cresce num relvado junto às piscinas municipais, que ficam à entrada da “Sintra do Alentejo”, como é conhecida a vila raiana com cerca de três mil habitantes rodeada pela serra de São Mamede. Ouve-se o hino de Abril de Zeca Afonso, “Grândola”, para aquecer, porque depressa a playlist ganha ritmo com êxitos de verão, de Toy, a Netinho e a Anita. João Marocos, proprietário da esplanada improvisada, uma extensão do seu bar no centro da vila, tira uma imperial com uma mão e recebe o pagamento com a outra, um gesto que vai repetindo noite adentro. Sabe que esta semana tem negócio, porque a universidade de verão do PSD está de volta a Castelo de Vide. Depois de dois anos de interrupção por causa da pandemia, a vila volta a receber cem jovens e toda a equipa da organização de braços abertos.
De dia, o horário das aulas, workshops e trabalhos de grupo é tão intenso que pouco permite. Mas à noite é tempo de descomprimir. Maria Elisa, 19 anos, veio da Marinha Grande com outros cinco colegas da concelhia social democrata. Está impressionada com a proximidade dos políticos que se habituou a ver na televisão, com a disponibilidade para trocarem dois dedos de conversa num relvado durante a madrugada. A antiga deputada e vice presidente social democrata, Margarida Balseiro Lopes, faz as vezes do DJ que não existe; o presidente da Juventude Social Democrata, Alexandre Poço, mostra os seus passos de dança na pista e o eurodeputado Paulo Rangel é requisitado para selfies. Amanhã, às 10:00, há que estar na sala de aula, mas até lá vai-se ficando. Se até o professor fica…
Independentemente do número de horas que o corpo descansou, a disciplina é rigorosa. A primeira aula do dia – sobre os desafios da União Europeia, a cargo de Paulo Rangel – tem as cadeiras todas ocupadas e o único resquício da noite anterior é o engano inocente de um estudante, que cumprimenta o eurodeputado com um “boa noite, dr. Paulo Rangel” às 10:00, arrancando uma gargalhada geral à sala de conferências do hotel Sol e Serra.
Orador experiente, o vice presidente do partido capta a atenção da plateia de imediato, focando-se nas preocupações de uma geração “que tem passado por provas muito sérias”, desde a intervenção da Troika, à pandemia de Covid-19 e agora à Guerra na Ucrânia. “Têm uma bagagem muito radical, que moldará esta geração” e que a obrigará a ter uma maior consciência cívica e política para transformar Portugal, que, no entender de Rangel, já está a ficar para trás por não se ter preparado devidamente para um contexto desafiante.
“Estamos mais exposto ao caos”, fruto da “imprudência e da incompetência” dos governos de António Costa, diagnostica, apontando as falhas na saúde e questionando a a necessidade do cargo de consultador que Medina tinha atribuído ao ex-diretor da TVI Sérgio Figueiredo nas Finanças e que não será ocupado por ninguém, depois da desistência de Figueiredo. “Os tempos são difíceis e os sinais de degradação estão à vista. A própria liderança não é capaz de responder aos problemas que criou. E não tenhamos ilusões: a Europa não virá cá governar por nós. Temos de pensar numa nova Europa, diferente da que tínhamos até 24 de fevereiro e cada Estado tem de fazer o seu trabalho no seu território. Preocupo-me, porque Portugal é um país que está em lista de espera, com um Governo incapaz de responder aos problemas de hoje, quanto mais aos do futuro”.
Bruno Alcaide, gestor bracarense com 30 anos (um dos jovens mais velhos a ser selecionado para a universidade de verão, cuja média de idades é de 21 anos), está particularmente interessado na exposição de Paulo Rangel por se interessar pelos assuntos europeus e pediu, dentro do seu grupo de trabalho, para ser ele a dirigir a pergunta obrigatória ao orador convidado. Os colegas aceitaram, apesar de existir neste grupo uma aspirante a eurodeputada – Maria Elisa -, que acabou de se candidatar à faculdade para estudar ciência política, mas já pensa em ir para fora. Cativa-a a hipótese de desenvolver uma carreira política fora de Portugal em que possa dar o seu contributo ao país onde nasceu.
Maria Elisa e Bruno Alcaide conheceram-se logo no primeiro dia da universidade, quando os cem selecionados (entre cerca de 300 candidaturas recebidas) foram divididos em grupos, quase como se de grupos parlamentares se tratassem. Entre as aulas sobre temas de atualidade como desigualdades sociais, saúde, economia, entre outros, que são dadas por convidados ligados ao partido ou de outras forças políticas (este ano, o socialista Francisco Assis ou a centrista Assunção Cristas preparam apresentações e responderam às perguntas dos alunos), é necessário produzirem trabalho semelhante ao dos deputados. Familiarizarem-se com a redação de propostas de lei e programas de Governo, que vão defender (e atacar os de outras equipas) numa simulação do Parlamento nacional. Afinal, o objetivo número um desta semana é que estes jovens aprendam sobre o processo legislativo, desenvolvam o espírito critico e ganhem competências, nomeadamente, de oratória.
São selecionados com base “no currículo, nas motivações e no retrato psicológico que fazem de si”, tendo em atenção ainda “critérios de equilíbrio etário, origens geográficas e de género”, explica à VISÃO o diretor da Universidade de Verão do PSD, o ex-eurodeputado e membro da comissão política Carlos Coelho, que há muito acompanha o projeto. Este é o grupo mais novo de sempre, mas as diferenças que vê para outros anos são essencialmente geracionais: “Hoje vemos uma geração com muito mais acesso à informação, nota-se logo nos trabalhos de grupo, mas vê-se menos cuidado com a escrita”.
“Uma experiência que nunca se esquece”
Margarida Balseiro Lopes, 32 anos, tinha 16 e acabara de se tornar militante do PSD quando se inscreveu na Universidade de Verão. “Vinha às escuras”, recorda. Os pais “estavam relativamente apreensivos” e vieram-na deixar à porta do mesmo hotel onde ainda hoje se realiza o evento. Era a primeira vez que saía assim de casa – sozinha. Mas os dias que se seguiram ficaram-lhe gravados na memória ao ponto de ter voltado, desde então, todos os anos. “É uma experiência que nunca se esquece”, diz a agora diretora adjunta da Universidade, assim que se despede, na receção, de Miguel Poiares Maduro (comentador e antigo ministro do Desenvolvimento Regional) e de Inês Ramalho (vice-presidente do PSD), que vieram falar sobre desigualdade.
Foi aqui que Margarida Balseiro Lopes fez a sua primeira intervenção pública. “Foi uma pergunta ao Durão Barroso e não correu manifestamente muito bem, mas faz parte. Isto é uma escola para aquisição de conhecimento, desenvolvimento de competências”, conta.
A hipótese de estar perto de políticos que muitas vezes estão “longe” é aliás um dos primeiros aspetos que este jovens destacam sobre a escola de verão e Carlos Coelho acrescenta que esta “interação, durante uma semana em regime de internato, tem um valor pedagógico muito grande. Ajuda a prepará-los melhor do ponto de vista substantivo para a intervenção pública e política, mas também lhes dá oportunidade de terem acesso a um conjunto de pessoas que de outra forma seria muito complicado”.
Que o diga Tiago Almeida. Tem 19 anos. Veio de Santarém e há dois anos que é militante do PSD, embora diga que “desde sempre” se identificou com a ideologia do partido e que “aos 6 anos já gostava de ver os debates do Parlamento”. É com um lugar naquele hemiciclo que sonha um dia, depois de ter “uma carreira, porque primeiro é preciso ter uma formação para depois se ser político”. Até lá, aproveita o treino num outro hemiciclo, o da Universidade de Verão do partido.