Quem lucrou com a moção de censura ao Governo, debatida e chumbada, nesta quarta-feira, a pedido do Chega? O Executivo, com maioria absoluta, nem abanou. Apesar das críticas à sua governação, nomeadamente, na saúde, na educação, no novo aeroporto e na economia, conseguiu desviar as atenções da moção de censura para o proponente – o Chega. Esta moção “é o contrário de oposição, é legitimação”, apontou o líder da IL. “É um frete” ao Governo, defenderam os sociais democratas, que acusaram ainda o Chega de criar uma distração para abafar a mudança na liderança do PSD, no fim-de-semana passado.
O Chega acabou isolado na votação (PSD e IL abstiveram-se e os restantes votaram contra), sob os protestos sonoros do presidente do partido, que atacou uma “putativa direita” por “dar a mão aos socialistas”. O “castigo da direita que não tem coragem de enfrentar a esquerda é perpetuar a esquerda no poder”, vaticinou, autonomeando-se como o verdadeiro líder da oposição ao Governo de António Costa – “a última coca cola do deserto que é Portugal”, disse sobre si próprio.
Os argumentos apresentados para justificar a moção (a degradação do SNS, da educação, a escalada de preços dos combustíveis, dos alimentos e a impunidade política de Pedro Nuno Santos, que viu, na semana passada, um despacho que assinou sobre a localização do novo aeroporto revogado) encontraram adesão em todas as bancadas. Mas a tática política só lhe mereceu as maiores críticas. O presidente da Iniciativa Liberal notou que o chumbo desta moção só “legitima o poder do PS” e que uma oposição verdadeira serve para apontar as falhas e contribuir com soluções, como tem feito o seu partido, disse, dando como exemplo as críticas que tem feito aos problemas do SEF, a falta de professores e uma ministra da saúde que “não consegue resolver o caos da saúde”.
Também o PSD – que passou as duas rondas dos pedidos de esclarecimento em silêncio para não alimentar “o enorme frete que o Chega prestou ao Governo – se quis demarcar do caminho escolhido por Ventura para fazer oposição. “A nossa missão não é liderar a oposição, é liderar o Governo”, continuou o deputado social democrata Paulo Rios de Oliveira. E acrescentou: “o Governo merece censura, como censura merece o Chega com esta iniciativa”.
Sobre a atuação de António Costa, o parlamentar do PSD considerou que o primeiro-ministro não tem estado a altura do desafio: “os portugueses vivem pior”, “o fosso [entre ricos e pobres] está a crescer”, assim como a “duvidosa capacidade [do Executivo] de operar reformas”.
A esquerda agarrou-se ao “sentimento de desgoverno” de Costa, assim descrito pelo bloquista Pedro Filipe Soares, que também apontou o dedo aos deputados do Chega por não contribuírem em nada “para nenhuma alternativa” com esta moção. O mesmo, por outras palavras, disse a líder parlamentar do PCP, Paula Santos, que criticou o Executivo por não investir o necessário na contratação de trabalhadores, no Serviço Nacional de Saúde e na escola pública.
O primeiro-ministro refutou todas estas críticas, mencionando que foram os seus Governos que “inverteram a tendência de desinvestimento no SNS”, que reforçaram os recursos humanos em mais de 40%, contratando quase 25 mil profissionais de saúde e que, apesar de “não negar os desafios”, o novo estatuto do SNS (aprovado amanhã) “vem dar respostas estruturais”, promovendo o funcionamento em rede, a autonomia das instituições, a dedicação plena e incentivando o trabalho em zonas carenciadas.
Na educação, Costa disse que os professores que foram contratados para ocupar horários vagos vão poder ficar nessas escolas. Na resposta à inflação já foram “mobilizados 1 682 milhões de euros” para controlar os preços da eletricidade, dos combustíveis e para entregar cabazes alimentares a um milhão de famílias carenciadas. Já os constrangimentos que se têm verificado no aeroporto de Lisboa, Costa atribuiu a uma circunstância que ultrapassa Portugal, porque “há atrasos em toda Europa”. Posto isto, garante: com esta moção, o Chega “não consegue atingir um governo responsável e focado na sua missão. Estamos aqui para resolvermos os problemas”.
“Esta moção de censura mais do que dirigida ao Governo é um exercício de oportunidade na competição com os outros partidos da oposição”, considerou o primeiro-ministro que – apesar de estar a enfrentar, pela terceira vez, uma moção de censura a um Executivo seu – se mostrou animado durante todo o debate.