Nem uma semana passou sobre a aprovação das listas de candidatos a deputados do PSD, no Conselho nacional do partido em Évora, e já alguns dos que estiveram ao lado de Paulo Rangel vêm agora responsabilizar o eurodeputado por não ter conseguido travar a estratégia de Rui Rio naquela reunião, que deixou destacados parlamentares e alguns “barões” de fora da “pole position” na corrida à Assembleia da República.
Para uns, Rangel deveria ter dado um murro na mesa, “antes de rumar à sua vida a Bruxelas”, e conseguir fazer valer o facto de ter tido quase metade da militância consigo na noite eleitoral; e para mais uns outros, que admitem ser “montenegristas” e que apoiaram o eurodeputado por não haver outro candidato contra Rio, o eurodeputado deveria ter comprometido o líder do PSD a aceitar a inclusão nas listas daqueles que entretanto foram retirados. “Fez um discurso e regressou a Bruxelas”, lamenta um dos apoiantes rangelistas.
“Os seus”, aqueles que se sentem traídos e falam de renúncia
Por Lisboa, na distrital do partido, fala-se num sentimento de dupla traição: “Ninguém da direção de Rui Rio nos disse que iam recusar os nomes que indicaríamos, porque haveria um esforço de inclusão e nada disso aconteceu; depois, o novo presidente [Ângelo Pereira] sentiu-se na obrigação de votar as listas no Conselho Nacional quando a pessoa que foi apoiada pela distrital não se bateu o suficiente naquela reunião”.
“Rangel deveria ter levantado um pé de vento, como fez Luís Montenegro, de tal forma que ele [Montenegro] teve agora oportunidade de indicar nomes para a lista de Aveiro, e já passaram dois anos desde a disputa dele com Rio”, acrescentou um dirigente do PSD/Lisboa, que, anda assim, “salienta que Lisboa vai dar tudo para que Rui Rio chegue a primeiro-ministro”.
Muitas desta reações na ressaca da votação das listas surgem entre dentes, “porque ainda há um congresso pela frente e podem surgir listas ao Conselho Nacional”, admitiram algumas delas nas últimas horas à VISÃO. Porém, há quem tenha estado com Rangel e não deixe de criticar de viva voz a postura do eurodeputado, como é o caso do antigo deputado Luís Nobre, eleito pelo círculo de Coimbra.
“Se alguém quer liderar um partido tem de ser ter solidariedade para com os seus apoiantes e defender os seus. E se estes acham que foram, e estão a ser, perseguidos, essa pessoa tem de fazer uma defesa ou, inclusive, renunciar ao seu mandato se achar que o partido esta a lançar uma perseguição e a prejudicar os militantes”, explicou à VISÃO, Luís Nobre, que já numa publicação aberta seu Facebook, questionou como é que os conselheiros que estiveram com Rangel no Conselho Nacional que aprovou a intenção do eurodeputado ir para diretas nesta altura, contra a vontade de Rio, foram os mesmos que – pela mesma proporção inversa de votos 70/30 – validaram as listas.
“[Rangel] Fez um discurso e regressou a Bruxelas, não é líder, os que o apoiaram devem estar desfeitos, é a vida”, escreveu o antigo parlamentar, cujo comentário mereceu a concordância de um outro antigo deputado do PSD, Carlos de Figueiredo.
Para Luís Nobre, que disse ter votado no eurodeputado agora, mas que no passado também esteve ao lado de Rio, “no lugar de alguém como Rangel estaria melindrado politicamente com aquilo que foi feito aos apoiantes”. “Dificilmente [Rangel] terá condições para se candidatar outra vez a líder; não se deixa tratar as pessoas assim que o apoiaram”, concluiu.
Rangel não esteve disponível para comentar, mas os indefectíveis rangelistas asseguram que tais acusações “resultam do descontentamento de algumas quantas pessoas que não estiveram a 100% no projeto e que já se estão a mover estrategicamente com vista a negociar lugares no conselho nacional, a ser votado no congresso” do próximo fim de semana, de 18 e 19 de dezembro, em Santa Maria da Feira. “Teve [Paulo Rangel] um discurso duro perante o líder do partido, quando falou numas listas estilo União Nacional [o Estado Novo] e de que Rio estava mais disponível para acordos com o PS do que com os seus companheiros de partido”, salientou um apoiante de Rangel.
Montenegristas lamentam “aposta falhada”
Pela distrital do Porto, há quem distribua acusações em duas frentes: contra Rangel e contra Alberto Machado, líder da estrutura do PSD, “por não ter feito valer o apoio dado” ao eurodeputado. À VISÃO, Machado não mostrou disponibilidade para falar sobre estas críticas.
Dois conhecidos “montenegristas” portuenses, que admitem em uníssono que estiveram “ao lado de Paulo Rangel porque foi o nome que apareceu contra Rui Rio”, admitem que “faltou garra” ao eurodeputado no momento de pedir meças e, por isso, “foi uma aposta falhada”. Ainda assim, “para bem do partido”, decidiram não se mostrar contra as listas, defendendo posições de alguns dos “barões” do partido, como o autarca Paulo Cunha, durante anos o homem forte do PSD/Famalicão [estrutura da distrital de Braga], uma das maiores estruturas em termos de militância no partido, que se absteve nas escolhas dos nomes.
O presidente de uma das distritais laranja que estiveram com Rangel, ouvido pela VISÃO, admite que, “eventualmente, no congresso se possa inverter o peso do novo aparelho de Rio – aquele que ele foi criando nos últimos anos, com figuras sem qualquer experiência parlamentar e, até, política”.
“Rangel foi se deixando levar pela alegada conversa de Rui Rio e deixou-se enganar por ele, porque foi mais esperto. Rio ter-lhe-á dito que estava disponível para incluir nas listas pessoas que não estavam consigo, e até falou publicamente de uma unidade, mas Paulo Rangel não tornou público esses compromissos, porque agora não podia ter acontecido o que aconteceu”, explicou, contrariando quem acha que o eurodeputado deve de renunciar à cadeira em Bruxelas. “O mandato de Paulo Rangel é dele e deve de o manter até ao fim, porque foi eleito pelo voto é popular. Nem todos têm a culpa de lidar com uma pessoa [Rui Rio] que se comporta como alguém que quer transformar a bancada do PSD numa seita cheia de deputados autómatos”, salientou.
Mentes agitadas pelo congresso
Os “rangelistas” lamentam que, a uma semana do congresso, Paulo Rangel seja “agora usado como o trampolim por aqueles que, provavelmente querem apresentar listas e alcançar lugares no Conselho Nacional”. “Estão no seu direito, mas questionar a atitude [do eurodeputado] na reunião em que as listas foram aprovadas por muitos que até estiveram na campanha [de Rangel] não é de se levar em conta. Não merecem qualquer resposta essas mentes”, disse à VISÃO um apoiante próximo do parlamentar europeu.
“Houve palavras duras, sim, [de Paulo Rangel] no Conselho Nacional. Dizer que tais listas pareciam desenhadas por Salazar, comparáveis às da União Nacional; que Rui Rio dá mais facilmente a mão a António Costa, submetendo o PSD a uma subalternização face ao PS, do que aceita o pensamento críticos dos que estão no mesmo partido, não se trata de uma reação dura?”, questionou a mesma fonte.