Jorge Fernando Branco de Sampaio, que morreu a 10 de setembro, a poucos dias de completar 82 anos, Presidente da República (PR) entre 1996 e 2001 e entre 2001 e 2006, teve, sobretudo na segunda metade, um dos duplos mandatos mais difíceis da democracia. Trabalhou com cinco governos e indigitou quatro primeiros-ministros, dois do PS (partido de que se manteve militante, mesmo enquanto PR), António Guterres (1999) e José Sócrates (2005), e dois do PSD, Durão Barroso (2002) e Pedro Santana Lopes (2004). Por duas vezes, dissolveu o Parlamento, na primeira forçado pelas circunstâncias (após a demissão de Guterres) e na segunda forçando as circunstâncias (desfazendo-se de Santana Lopes). Assistiu, mais ou menos impotente, à degradação da situação económica do País, no início do século. Foi uma voz diplomática forte, estabelecendo excelentes relações com algumas das figuras mais marcantes da política internacional. O caso Moderna, tendo no centro uma guerra entre fações da maçonaria e uma empresa de sondagens liderada por Paulo Portas; o caso do urânio enriquecido; os 75 vetos políticos e 16 pedidos de fiscalização da constitucionalidade; o processo Casa Pia e a Operação Furacão; as mortes de grandes figuras nacionais, como Amália, Costa Gomes, Melo Antunes ou Álvaro Cunhal; a independência de Timor e a transferência de Macau para a administração chinesa; dois referendos (interrupção voluntária da gravidez e regionalização) e uma revisão constitucional (1997); o 11 de Setembro e a segunda Guerra do Golfo; a estreia de Portugal no mapa dos megaeventos (Expo’98 e Euro2004), a que se somaram inúmeros problemas de saúde, traçam o resumo dos dez anos que mudaram o mundo e o País, na transição do milénio. Numa aproximação imediata aos seus concidadãos, não evitava as lágrimas sempre que a emoção o tocava. Tinha uma lágrima fácil e “certeira” e isso humanizou-o como a nenhum outro Chefe de Estado.
Em 2006, Jorge Sampaio despediu-se da Presidência com 71,6% de opiniões positivas, mais do que o próprio Mário Soares. Logo de seguida, os areópagos internacionais reconheceram a sua estatura de estadista, o seu talento diplomático e a sua condição de cidadão do mundo. Experiente, prestigiado, poliglota, assertivo, dialogante, culto, foi indicado por Kofi Annan como “enviado especial do secretário-geral da ONU Para a Luta Contra a Tuberculose”, entre 2006 e 2007. Daí para a frente, até 2013, passou a ser o alto representante da ONU para a Aliança das Civilizações, uma missão que tinha em vista o diálogo entre o Ocidente e, sobretudo, o mundo árabe e muçulmano. Senador entre os senadores de Portugal, embora sem intervenção política ativa, assistiu, ao vivo, no final de 2016, à posse de António Guterres como secretário-geral da ONU. Nova Iorque estava, então, no tempo e no espaço, muito distante do sótão de Algés, pertencente ao seu antigo aliado e, depois, adversário no PS, quando, com Vítor Constâncio, Salgado Zenha e outros, todos eles membros do ex-secretariado do PS, conspirara contra Mário Soares – falecido poucos dias depois da cerimónia na ONU.