“Esta manhã [ao saber da notícia da morte] senti uma coisa, senti que acabou, que, com [a morte de] este homem, acaba também uma época, uma utopia. Senti isso, emocionalmente. Senti a perda, o desaparecimento. Já não vai ser possível falar com ele”, afirmou Isabel do Carmo a agência Lusa.
Para a antiga dirigente do extinto do Partido Revolucionário do Proletariado (PRP), movimento que exerceu actividade clandestina através das suas Brigadas Revolucionárias (no PRP-BR), Otelo é, juntamente com Vasco Lourenço, “o dirigente do 25 de abril [de 1974], do Movimento dos Capitães e do derrube da ditadura”.
“Esse é o Otelo, que depois foi general. Na altura do 25 de Abril [de 1974] era capitão, que dirigiu o movimento militar — não foi um golpe militar – com Vasco Lourenço [que, na altura, estava preso nos Açores]”, sustentou.
“Tivemos mais de 40 anos de ditadura, tivemos uma resistência continuada contra a ditadura e contra o fascismo, repetida, desgastante, com muita repressão, mas foi preciso um movimento que fizesse mesmo uma rotura e que derrubasse a ditadura pela força. Tinha de ser pela força”, acrescentou.
Isabel do Carmo, médica de Endocrinologia, Diabetes e Nutrição e professora na Faculdade de Medicina de Lisboa, onde se licenciou e doutorou, lembrou a liderança de Otelo no Comando Operacional do Continente (COPCON) durante o Processo Revolucionário em Curso (PREC).
“É, depois, aquele que afastou as chefias mais tradicionais e foi o chefe do COPCON e o COPCON, como movimento, foi quem apoiou os que estavam em baixo: os trabalhadores, as pessoas que estavam sem casa, as pessoas que estavam a ser exploradas nos campos. Esse é o Otelo. E é essa figura que preservo e que acho que o país deve preservar”, argumentou.
Para a História, prosseguiu, Otelo ficará como “o homem, entre outros”, do ’25 de abril’.
“Ficará para a História como o chefe, entre outros, que criaram um movimento que veio de baixo, não veio de cima, que derrubou a ditadura, que derrubou o fascismo em Portugal. Para mim, é esse que fica para a História. É o homem do 25 de Abril de 1974, entre outros.
Otelo Saraiva de Carvalho, militar e estratego do 25 de Abril de 1974, morreu hoje de madrugada aos 84 anos, no hospital militar.
Nascido em 31 de agosto de 1936 em Lourenço Marques, Moçambique, Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho teve uma carreira militar desde os anos 1960, fez uma comissão durante a guerra colonial na Guiné-Bissau, onde se cruzou com o general António de Spínola, até ao pós-25 de Abril de 1974.
No Movimento das Forças das Forças Armadas (MFA), que derrubou a ditadura de Salazar e Caetano, foi ele o encarregado de elaborar o plano de operações militares e, daí, ser conhecido como estratego do 25 de Abril.
Depois do 25 de Abril, foi comandante do COPCON, surgindo associado à chamada esquerda militar, mais radical, e foi candidato presidencial em 1976.
Na década de 1980, o seu nome surge associado às Forças Populares 25 de Abril (FP-25 de Abril), organização armada responsável por vários atentados e mortes, tendo sido condenado, em 1986, a 15 anos de prisão por associação terrorista. Em 1991, recebeu um indulto, tendo sido amnistiado anos depois.
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