Tinham tudo para se cruzarem na rua e não desviarem o olhar do seu caminho. Se é que alguma vez passaram pela mesma rua todos, os 23. Vivem em Guimarães, Braga, Porto, Coimbra, Lisboa, Bruxelas, Londres. O mais novo tem 20 anos, o mais velho 44. Um é dentista, outro arquiteto, há uma advogada e uma jurista, uma analista e estratega política, uma assistente de bordo, um empresário, estudantes universitários. Então, o que os fez reparem uns nos outros? A vontade de discutir política, de estarem sempre atualizados sobre o tema e de formar as suas convicções através do diálogo democrático. São uma espécie de simulador virtual da Assembleia da República, cada um na sua bancada, com direito a dedos em riste, a acusações de inverdades. Mas a seriedade fica à porta.
O ponto de encontro é um grupo de WhatsApp, que desperta com as manchetes do dia e as notícias mais frescas da vida política nacional e que fica acordado até às 2h. Pelo meio, enquanto estudam, trabalham, e se encontram com os seus, há um sinal, na rede social, que vai fazendo notar que os comentários, as perguntas, as provocações crescem. Será caso raro estarem os 23 membros do grupo ativos em simultâneo, mas nem é esse o objetivo e nem serão necessários muitos para que a discussão se torne acesa, dado que têm a priori visões que chegam a ser radicalmente diferentes umas das outras. Da esquerda à direita, são simpatizantes, militantes de qualquer um dos partidos políticos portugueses democráticos. Ou seja, esclarece Sérgio Salazar – o benjamin do grupo, a estudar Ciência Política e membro da Juventude Socialista -, “o Chega é a exceção: não tem aqui lugar”. Sendo que há entre eles quem seja também apartidário.
“Os algoritmos das redes sociais criam bolhas de informação. Portanto, estamos sempre a ser reforçados com a nossa opinião. Este grupo tem um barómetro social, que nos ajuda a perceber opiniões completamente diferentes da nossa; relembra-nos de que as pessoas que pensam de forma diferente não são más, cruéis ou não se preocupam menos com as questões sociais do que nós. Têm simplesmente um ponto de vista diferente”, apresenta Sofia Santos, 28 anos, de Lisboa. É consultora numa seguradora internacional, autora do podcast “Eu Não Sou Tua Mãe” e filiada na Juventude Socialista.
Eva Brás Pinho, 21 anos, de Cascais. Finalista de Direito na Universidade Católica e líder da Juventude Social Democrata da sua cidade concorda com a “virtuosidade de haver pessoas com opiniões muito diferentes dentro do grupo”. “Quando se partilha uma notícia num grupo de uma juventude partidária é normal que as pessoas tenham opiniões similares sobre o tema. O bom deste grupo é crescermos a ouvir opiniões diferentes”, continua. E Jorge Costa Rosa – estudante de Direito, 25 anos, de Lisboa, filiado no CDS – pega na deixa para confessar que acaba a falar mais, todos os dias, com pessoas de outros partidos do que com pessoas do dele. “Até porque há poucas pessoas no meu partido”, não resiste à provocação, outra variante do início da conversa em que alguém lembrava que já eram membros suficientes para formar um partido maior do que o CDS.
Na entrevista à VISÃO é a primeira vez que muitos se veem, ainda que numa sala de zoom. Mas a intimidade é evidente; embora tenham esqueletos no armário do tempo que trocavam picardias “na bolha do Twitter”. Os 280 carateres que a rede social disponibiliza não deixaram passar além dos comentários carregados de ideologia e houve casos de pessoas a bloquearem as contas de outros membros do grupo. Nada que o diálogo democrático não tenha resolvido. “Hoje, conseguimos debater assuntos como a TAP e estar aos berros e na hora a seguir já estamos muito amigos”, diz Inês Rodrigues, 24 anos, estudante de solicitadoria e socialista.
Uma família inesperada
As conversas, que continuam sempre a ter um teor essencialmente político, extravasaram esta área. E deram por eles a chamar para o debate destinos de férias, indumentárias para casamentos, a “fazer companhia uns aos outros”, resume Maria Stürken, 32 anos, apartidária. É de Lisboa, mas o trabalho como analista e estratega política, especializada em política norte-americana e em terrorismo, levou-a para o estrangeiro para integrar equipas da União Europeia e das Nações Unidas. Recentemente, estava a viver em Londres.
“Para mim, este grupo significou um voltar a despertar para a política nacional e para a construção de um dialogo sobre uma política que está muito fraturada e a enveredar pensamentos mais extremistas. Este grupo prova que o debate em democracia é fundamental para se chegar a uma solução boa para todos, independentemente de ser à direita ou à esquerda. Encontrar-me aqui com pessoas mais novas, que têm aquela fome de mudança que eu tinha quando saí da faculdade e que invariavelmente depois se vai perdendo um bocadinho ao longo da vida, foi fundamental para eu ter decidido regressar a Portugal”.
A pandemia deixou Maria Stürken desempregada e os contactos que foi fazendo nestas conversas, alguns diretamente ligados ao mundo da política, levaram-na a acreditar que poderia encontrar emprego em Portugal. Não é caso único no grupo. Também a assistente de bordo de 28 anos Elsa Lopes Tavares regressou da capital do Reino Unido com a convicção, que encontrou entre estas pessoas, de que haveria lugar para si no seu País. Mas a coisa mais importante que a militante do Partido Socialista descobriu aqui foi a companhia durante a quarentena. “Nós todas as noites conversávamos e tínhamos conversas muito interessantes sobre a génese dos partidos, a comunicação atual. Ajudou-me a manter a minha sanidade mental”, conta Elsa Lopes Tavares, que chegou ao grupo como todos os outros, através de conhecimentos que se foram travando numa outra rede social: o Clubhouse.
Nascido e popularizado durante a pandemia, o Clubhouse teve um início conturbado e repleto de críticas por só estar disponível, numa primeira fase, para o sistema operativo iOS. Trata-se de uma rede social em que os utilizadores aderem a salas de conversação consoante o interesse sobre o tema e enviam mensagens apenas de áudio. Neste caso, o grupo começou a formar-se numa sala com o nome “passeio do cão”, criada, todas as noites, por Gonçalo Cruz, 42 anos, de Lisboa, quando ia passear o seu cão por volta das 21:30. “As regras consistiam em encontrarmo-nos sempre à hora em que eu estava a passear o cão e que o tema que eu escolhia era estoicamente ignorado por todo o grupo”, recorda Gonçalo Cruz, que sem saber juntou pessoas com o mesmo interesse – a política.
Gonçalo Cruz e Miguel Baumgathner, 42 anos, administrador de empresas, filiado no CDS, estão entre os mais velhos do grupo. O papel deles aqui passa muitas vezes por contextualizar a atualidade política. E o que dão também recebem, garantem. “Já fiz muitas campanhas, andei em muitas batalhas políticas, mas há 20 anos não tínhamos esta rapidez na informação. Nós partilhamos alguma maturidade, algum pensamento político pela nossa experiência, mas depois bebemos substância de gente muito nova e que está muito ativa na política. Nós, aos 21 anos, não tínhamos esta capacidade. Esta geração está intelectualmente muito bem formada e tem capacidade de expor as suas ideias para o mundo inteiro”, sublinha Miguel Baumgathner, que acabou aqui a “conhecer de forma completamente espontânea” filhos de amigos [João Maria Jonet, PSD, cronista no semanário NOVO] e a atual presidente da Juventude social-democrata de Cascais [Eva Brás Pinho], cargo que Miguel Baumgathner ocupava em 1995.
Na cabeça de Artur Miler – 35 anos, de Arouca, militante do PSD, médico dentista – é isto que vai: “nunca teria conhecido a maior parte das pessoas deste grupo, se não fosse assim”. E Adriana Cardoso – 21 anos, liberal apartidária, estudante de Ciência Farmacêuticas em Coimbra – confirma: “nós estamos em alturas diferentes da vida, temos ocupações muito diferentes e, com raras exceções, a política não é aquilo em que estamos envolvidos durante todo o dia”. Mas, conclui Eva Brás Pinho, “todos gostamos da política pelo mesmo: todos queremos uma cidade melhor, um País melhor, um mundo melhor. A forma como cada um de nós pensa que se chega aí é que diverge, mas a intenção é a mesma”.