Rui Moreira estava sozinho no seu gabinete na Câmara do Porto, ao início da tarde de 18 de maio, quando o telemóvel tocou. O advogado Tiago Rodrigues Bastos tinha más notícias: a juíza de instrução do caso Selminho (ver caixa) decidira que o autarca, acusado de “atuação criminosa” a favor da imobiliária da família e em prejuízo do interesse público, ia a julgamento. “Calhou no dia em que o meu pai faria 90 anos. Pensei: que mais me farão? Não é por mim, é pelos meus filhos, familiares e amigos.” Até ali, tivera “fundada esperança” de que nunca se sentaria no banco dos réus. Quando o tribunal recusou ouvir o advogado Pedro Neves de Sousa, representante do município à época dos factos e única testemunha que indicara, Moreira interpretou a nega como sinal de que tudo se esclarecera. Desapontado, preparou uma declaração pública. Mãos a tremer, voz embargada, escudou-se na memória do pai, que “sofreu na pele uma perseguição terrível e venceu sem nunca se ter vitimizado”.
Ruy Höfle de Araújo Moreira, antigo dono do grupo Molaflex, falecido em 2000, é ainda o guardião afetivo das alegrias e agruras desta família da burguesia do Porto, pouco dada à frequência dos salões e aos formalismos, seguindo o exemplo do patriarca, rebelde por feitio e avesso às nomenclaturas. Visionário, com raízes germânicas maternas, fluente em cinco línguas, deixou gratas memórias entre operários e funcionários, apesar das opções políticas controversas do pós-revolução. O que de nebuloso houve talvez nunca se esclareça. As circunstâncias da prisão, a 12 de março de 1975, por suspeita de ligações ao Exército de Libertação de Portugal (ELP), organização clandestina de extrema-direita, continuam envoltas em conspirações, equívocos e narrativas políticas contraditórias. A acusação, essa, nunca veio.