Pedro Adão e Silva passou de um dos comentadores políticos mais ativos – fruto de quase uma década em pleno nos media – para um dos assuntos mais escrutinados do momento, após a nomeação para a presidência da comissão executiva da unidade de missão que vai desenhar as comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos. Um tweet de Rui Pinto, denunciante do FutebolLeaks e do LuandaLeaks, ao replicar um editorial do Porto Canal sobre o assunto, atirou o nome do docente do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa para a ordem do dia.
O líder do PSD foi taxativo, na senda de tal tweet e após de ter sido publicado em Diário da República o formato e o custo da estrutura que Adão e Silva vai dirigir a partir de agora e até 2026: “O Governo quer que todos paguemos ao dr. Pedro Adão e Silva mais de 300 mil euros para organizar ou ajudar a organizar as comemorações do 25 de Abril. Considero isto escandaloso”.
“Todos o conhecemos como um comentador que aparece com a capa de independente, mas que não faz outra coisa que não seja defender as posições do PS, e atacar e tentar denegrir a oposição”, atirou Rui Rio, no Parlamento, na última terça-feira, replicando no Twitter o mesmo vídeo do canal propriedade do Futebol Clube do Porto. A que se seguiram outras tantas reações à direita, como do CDS, que obrigaram António Costa a vir a terreiro defender a sua escolha, considerando “insultuosa” a onda crítica de que Adão e Silva tem sido alvo. Aliás, até Marcelo Rebelo de Sousa, que já havia escolhido o antigo chefe de Estado Ramalho Eanes para presidir a um dos três órgãos da unidade de missão, sentiu necessidade de frisar que o nome do docente, de 47 anos, passou com seu aval.
Em causa está o facto de o cargo executivo que Pedro Adão e Silva ter como referência remuneratória o salário dos cargos de direção superior de 1.º grau, e as respetivas ajudas de custo. Contas feitas: uma remuneração bruta mensal de 3745,26 euros e ainda 780,36 euros como despesas de representação. A antiga eurodeputada Ana Gomes, candidata nas últimas eleições presidenciais, já veio questionar a acumulação de salários do comentador e a dimensão da máquina criada pela estrutura de missão.
Porém, a VISÃO apurou junto de fontes ligadas ao ISCTE que Pedro Adão e Silva decidiu suspender o vínculo laboral com aquela universidade assim que aceitou o convite, ficando sem um salário bruto alegadamente semelhante que aufere como professor auxiliar – de acordo com o sistema remuneratório em vigor, o valor para este grau de docência pode começar pouco acima dos 3 mil euros brutos e ir até aos 4 mil euros [conferir aqui, na página 11, valores relativos a 2020]. “Comunicou ao departamento que continuará a dar algumas aulas por vontade própria, sem remuneração, e a orientar alguns alunos nas suas teses, para não haver uma disrupção”, assegurou aquela mesma fonte.
Do PS de Ferro Rodrigues às televisões, com uma prancha pelo meio
A escolha de António Costa para liderar os festejos do 25 de Abril não provocaram surpresa em quem conhece o comentador, que tem hoje uma presença transversal da televisão à imprensa escrita, passando pelas rádios.
Para Paulo Pedroso, antigo ministro do Trabalho e Segurança Social, com quem Adão e Silva colaborou então como assessor, muito jovem, “é absurda a leitura que um programa de comemorações desta dimensão não tivesse dignidade e fosse tratado de qualquer forma, em cima da hora, sem qualquer coordenação”.
“Houve uma interpretação muito perversa de um canal de televisão, que não trouxe nada de novo, que é atentatória de um percurso de alguém, cuja militância ativa no PS se ficou pela saída de Ferro Rodrigues da liderança do partido. E achar-se que um processo com esta amplitude, que exige uma função com a mínima dignidade e estrutura para que as coisas funcionem, não poder ter o formato que consta na resolução do Conselho de Ministros é simplesmente abjeto”, defendeu, à VISÃO, Pedroso, que partilhou parte do percurso com o comentador, desde o tempo em que foi secretário de Estado, “em vários contextos no ISCTE e antes do doutoramento [de Adão e Silva]”.
Filho da conhecida advogada Vera Adão e Silva, que chegou a liderar a deontologia da Ordem dos Advogados do distrito de Lisboa e foi agraciada com a Ordem do Infante D. Henrique pelo trabalho realizado no âmbito da Amnistia Internacional e do apoio aos reclusos políticos mundiais, e do artista plástico Luís Artur, Pedro Adão e Silva nasceu no ano da Revolução. Pai de dois rapazes, começou por militar no PS logo aos 18 anos, tendo chegado ao Secretariado Nacional (núcleo duro do líder) de Ferro Rodrigues, em 2002.
O afastamento da atividade política ativa deu-se com a saída de Ferro, na sequência do descontentamento que o atual presidente da Assembleia da República mostrou com a indigitação de Pedro Santana Lopes como primeiro-ministro, por parte do Chefe de Estado Jorge Sampaio, quando Durão Barroso saiu do Governo rumo a Bruxelas.
Logo depois começa a sua carreira de comentador, pela então RTPN – que sucedeu à NTV e antecessora da RTP3 -, Rádio Clube Português e Diário Económico. Mas também colaborava com a revista Surf Portugal, devido à paixão em domar as ondas, que então elevava à letra literalmente, tendo em conta que mais tarde haveria de publicar uma obra sobre essa prática – que contou com o prefácio do agora cardeal português responsável pelo Arquivo Apostólico do Vaticano, Tolentino de Mendonça.
É também dessa altura a maior entrega à academia, na área da Sociologia, voltando a colaborar com o PS de José Sócrates, para quem chegou a elaborar, entre muitos outros, a moção que o então líder socialista haveria de levar ao congresso do partido, em 2009. São desses tempos, aliás, as imagens que o editorial do Porto Canal recuperou esta semana.
Desde então, desfilou-se do partido – sendo que os mais próximos, ouvidos pela VISÃO, admitem que nunca tocou no assunto, ao ponto de não saberem quando terá ocorrido exatamente – e tem desfilado por vários órgão de comunicação social como cronista, tendo se tornado comentador residente no canal de notícias da televisão pública. Porém, nunca renegou a sua família política, principalmente durante o Governo PSD/CDS, de Passos Coelho.
Mais recentemente correu ao lugar de vice-presidente do Benfica, na lista derrotada de Noronha Lopes contra a de Luís Filipe Vieira, tendo continuado a desfiar críticas ao presidente do Clube da Luz desde essa altura, principalmente no comentário desportivo que também faz. Percurso nas águias que mereceu reparo no tal vídeo do Porto Canal.
Contactado pela VISÃO, o agora comissário executivo Pedro Adão e Silva (que terá uma máquina composta por três adjuntos, três técnicos especialistas, um secretário pessoal e ainda um motorista) não mostrou disponibilidade para comentar os comentários de que, enquanto famoso comentador político e desportivo, tem sido alvo. Dias depois de ter sido anunciado para o cargo, levantou um pouco o véu sobre como pensa levar a cabo as comemorações do 25 de Abril, defendendo que é necessária uma reinvenção “à forma como olhamos para as celebrações”.