Chegou ao Parlamento a pé, tal como fez há cinco anos, mais uma vez contrariando o protocolo. Marcelo Rebelo de Sousa foi recebido por Eduardo Ferro Rodrigues, o Presidente da Assembleia da República, e seguiu para a sala do plenário, onde jurou, com a mão sob a Constituição Portuguesa, cumprir e defender os princípios ali descritos; gesto apenas aplaudido pelos deputados das bancadas do PSD, PS e CDS. Ouviu-se o Hino Nacional, 21 tiros de salva e já passavam das 11:00 quando o Presidente iniciou o seu discurso, muito marcado pelos desafios que a pandemia deixa ao País, sem esquecer as desigualdades que já existiam.
“Sou o mesmo de há cinco anos, sou o mesmo de ontem. Eleito e reeleito por todos vós, com independência, espirito de proximidades, honestidade, afetos, com convergência e respeito pela diferença e pelo pluralismo”, prometeu Marcelo, numa cerimónia com menos de cem convidados por causa da pandemia, mas onde não faltaram os representantes dos tribunais superiores, das forças armadas, da procuradoria-geral da República, os ministros do Estado, 50 deputados, os antigos Presidentes Ramalho Eanes e Aníbal Cavaco Silva, o autarca de Lisboa, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, o Núncio Apostólico (em representação de todo o corpo diplomático), o líder do CDS-PP e os candidatos às eleições presidenciais Ana Gomes, André Ventura (presente enquanto deputado), Tiago Mayan e Vitorino Silva.
O apelo decisivo foi a uma “estabilidade sem pântano”, numa altura em que será fundamental “reconstruir a vida das pessoas, o emprego, os rendimentos, as empresas, a saúde mental, os laços sociais, as vivências e os sonhos”, segundo Marcelo, que evocou um regresso a 2019, quando não havia pandemia. A recuperação só será possível, ainda de acordo com o Presidente, utilizando de forma “transparente” os fundos europeus, consolidando os mecanismos de apoios sociais. “Só haverá verdadeira recuperação se houver redução da pobreza”, lembrou. Num discurso marcado pelo cariz social, as primeiras pessoas a serem referidas por Marcelo foram os sem-abrigos, uma causa antiga sua, a que acrescentou outras como a dos cuidadores informais, os mais velhos, os jovens, os professores e os profissionais de saúde.
Ao Governo optou por recordar que “reconstruir sem corrigir as desigualdades é reconstruir menos para todos e só para alguns privilegiados”, acrescentando outras “causas urgentes” como “mais e melhor Serviço Nacional de Saúde” e empenho na ação climática.
É a primeira vez que um Presidente da República toma posse em Estado de Emergência na história da democracia portuguesa, sendo que a sua primeira tarefa deste segundo mandato deverá ser mesmo a renovação deste estado. Mais uma vez, Marcelo assumiu as responsabilidades pelo descontrolo da pandemia, mostrando-se solidário com os lesados, mas também com o Governo ao não ter deixado de referir que “é parcialmente injusta a recriminação de tudo o que não se antecipou ou resolveu”, porque “nuns casos era possível, noutros nem tanto”.
O agradecimento seguinte foi para os deputados, que mantiveram a Assembleia da Republica a funcionar durante a pandemia, sem “suspender ou fazer refém a democracia”. A democracia foi outro dos pontos chave do discurso do Presidente, que aproveitou para recordar o sucesso dos dois atos eleitorais realizados em tempos de pandemia num País que escolhe a “liberdade à opressão”.
“Queremos melhor democracia. [Uma democracia] que não seja afetada pela corrupção “, apelou ainda, antes de terminar com uma nota de esperança, citando um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, em que esta escreve: “A força dos meus sonhos é tão forte que de tudo renasce a exaltação”.