O Parlamento voltou a aprovar o diploma do Presidente da República que decreta o Estado de Emergência em Portugal. Desta vez, e depois de se ter abstido na última votação, o PCP decidiu votar com a Iniciativa Liberal (IL) contra a renovação do regime de exceção que Marcelo pretende fazer vigorar até ao início de maio e a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira tomou a mesma decisão. Mas houve mais avisos de que a tolerância se está a esgotar. O primeiro-ministro deixa um sinal de a página pode estar mesmo prestes a ser virada: “Temos de começar a reanimar a economia sem descontrolar a pandemia.”
Ao PS juntaram-se os votos favoráveis do PSD, do Bloco de Esquerda, do CDS e do PAN. O Chega! absteve-se e, depois, uma frente improvável: PCP, IL (que já há 15 dias tinha votado contra a renovação) e Joacine Katar Moreira (ex-LIVRE) juntos na recusa de prolongamento do Estado de Emergência.
Para explicar a mudança de posição, o líder da bancada parlamentar comunista apresenta três conclusões de um mês de emergência: a decisão de declarar o estado de emergência “tem-se revelado desnecessária e desproporcional no combate” contra a pandemia; essa declaração serviu de “pretexto para impor abusos e arbitrariedades” contra os direitos dos trabalhadores; e, avalia agora o PCP, está a “instalar-se um sentimento de banalização do estado de emergência” na sociedade portuguesa. Perante a “constatação desta realidade”, os comunistas votam contra.
João Cotrim Figueiredo, na linha do que tinha feito há duas semanas, defendeu que “as medidas que funcionaram, podiam ser tomadas – e foram-no – antes da declaração do estado de emergência”. O estado de exceção “não é um instrumento combate à pandemia” mas, antes, uma forma de “defesa jurídica do Estado”, em detrimento dos direitos dos cidadãos, argumentou. Aí, “foram ultrapassadas várias linhas vermelhas”, defende. “A liberdade não se troca por um prato de lentilhas chamado segurança.”
Joacine Katar Moreira, que pela primeira vez teve oportunidade para intervir neste debate, anunciou também o seu voto contra – num total de 12 deputados a recusar a renovação do decreto de Marcelo Rebelo de Sousa. A deputada não inscrita defendeu a “urgência” no combate às desigualdades provocadas pelo combate à doença e sublinhou a ideia de que “não é preciso um estado de emergência” para fazer face à pandemia
Manter a guarda mas com relógio a contar
A renovação foi, ainda assim, aprovada por uma larga maioria dos deputados. Ana Catarina Mendes (PS) defendeu que “a estratégia que adotámos tem-se revelado eficaz” e que isso se deve, em grande medida, na “confiança” dos responsáveis políticos nas avaliações dos especialistas em saúde pública. A socialista destacou também a “maturidade” e o “sentido de estado” dos órgãos de soberania e defendeu a necessidade de, “a curto prazo”, o país “retomar a normalidade da vida social”.
Nesse ponto, Catarina Martins foi bem mais explícita. A coordenadora do Bloco de Esquerda, que voltou a votar a favor da prorrogação do estado de emergência, lembra o princípio fundamental de que ele se deve aplicar apenas no “tempo estritamente necessário” para garantir o eficaz combate à pandemia da Covid-19. Mas, avisa, “o tempo estritamente necessário não precisa de estender-se para lá de abril”. Fica o sinal de que, a manterem-se os sinais de recuo da propagação do novo coronavírus entre a população portuguesa, esta terá sido a última vez que o Bloco de Esquerda esteve disponível para votar a favor do estado de emergência. “Existem outros mecanismos que, sem ferir direitos fundamentais, podem ser suficientes” para cumprir esse objetivo, assinala Catarina Martins.
O PSD também votou a favor, “porque os resultados têm sido positivos”. Mas, mais do que avisos, Rui Rio levou propostas ao debate parlamentar. O líder social-democrata apresentou um “ponto decisivo” para a reabertura da economia nacional: “Enquanto não houver a possibilidade de todos se protegerem com uma máscara não temos as condições de abrir a economia.” E, por, isso, propôs que o IVA destes equipamentos de proteção individual e do gel desinfetante passe de 23% para 6%, juntando na mesma proposta os “suplementos alimentares”. E, perante a “alta probabilidade” de uma segunda vaga de propagação com a chegada do inverno, avisa, “o Governo tem de preparar o país para essa eventualidade”. Com o voto a favor, também um pedido de Rui Rio aos portugueses: “Não transformemos as boas notícias de hoje em más notícias de amanhã.”
Uma ideia que também o PAN sublinhou. André Silva lembrou que “a Covid-19 não está derrotada e anda aí”, razão pela qual “os bons resultados não nos devem levar a euforias”. A ideia é esta: ainda não é tempo de “baixar a guarda no combate à Covid-19”. O líder do PAN tinha ainda uma farpa para Rui Rio, a quem sugeriu um “suplemento de memória” por defender no púlpito o contrário daquilo que vota no seu lugar (o PSD já rejeitou propostas do PAN naquele sentido).
Mas, mesmo entre os partidos que aprovaram a renovação do estado de emergência, não foi tudo consenso absoluto. Sem pôr em causa a renovação do regime de exceção, João Almeida (CDS) assumiu uma das notas dissonantes da tarde. “Não se pode proibir a celebração da Páscoa mantendo uma celebração do 25 de abril que desrespeita todas as normas recomendadas” de segurança. “É fundamental que não demos sinais errados” ao país, defendeu o centrista, num recado que lhe mereceu reparos do presidente da Assembleia da República. Ferro assinalou a “vontade da maioria” que defendeu a celebração da data da Revolução e João Almeida respondeu com a “liberdade de expressão”.
André Ventura, muito criticado internamente por se ter abstido na última votação do decreto presidencial, repetiu o voto. Este “não é o momento nem o tempo de levantarmos restrições impostas aos cidadãos”, defende o líder do Chega!, que criticou o Governo por “ceder testes a outros países quando faltam destes no país” e por não mudar as regras do IVA nos equipamentos de proteção individual, quando adquiridos pelas autarquias. Ventura também não gostou de ver a Força Aérea levar reclusos a casa depois de verem as suas penas encurtadas e ainda deixou uma nota crítica sobre o 25 de abril. “Os portugueses não querem pôr um cravo ao peito, querem abraçar os seus filhos e os seus netos.”
Os 15 dias que determinam o futuro
No encerramento do debate, o primeiro-ministro recordou que o novo coronavírus deverá ser uma realidade nos próximos 18 meses e, por isso, é preciso começar a olhar para a frente. “Temos de começar a reanimar a economia sem descontrolar a pandemia”, defendeu António Costa, que deixou pistas sobre os passos que o Governo se prepara para dar. Mas, primeiro, é preciso que o país passe no teste, nestes que será a terceira quinzena em que o país vive numa situação de emergência.
Alinhado com o líder do PSD, Costa diz que será massificada a produção e comércio de máscaras e gel desinfetante, precisamente para garantir que o regresso à normalidade possível se faça em segurança. Depois, será preciso reforçar os princípios de segurança e higiene a adotar nos locais de trabalho e nos transportes públicos, além de garantir que o Serviço Nacional de Saúde está preparado para aguentar o nível de contágios que se possa seguir.
Para maio, o primeiro-ministro já antevê a reabertura de creches. “Já dissemos que temos a ambição de que em maio possamos ter aulas presenciais no 11º e 12º ano, mas temos também o dever de procurar ter a ambição de, em maio, reabrir as creches, que são fundamentais para apoiar famílias que estão com perdas de rendimento”, admitiu Costa. Mas não só. Também para a Cultura se prevêm possíveis aberturas, com a ideia de que o setor “não pode continuar encerrado à espera de melhores dias”.
E, a encerrar, uma ideia central: “Espero que seja a última vez, na nossa vida, que estejamos aqui a decretar o estado de emergência.”