Há várias revelações na agenda oficial de Manuel Pinho durante o período em que foi ministro da Economia. O documento revela vários encontros com figuras que estão sob investigação no processo das rendas excessivas da EDP. Há registo de reuniões em 2005 e em 2007 que coincidem com nomeações ou decisões importantes para a empresa de energia. Estas questões serão abordadas no próximo interrogatório a Manuel Pinho, um dos principais arguidos do processo, que o Ministério Público quer ouvir no próximo dia 10 de setembro, pelas 14h30.
A investigação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) entende que as coincidências temporais demonstradas na agenda oficial são uma parte importante do processo e ajudam a sustentar a tese de que Manuel Pinho continuou a receber dinheiro do Grupo Espírito Santo quando estava no governo de Sócrates para que continuasse a beneficiar o BES e o grupo liderado por Ricardo Salgado, nomeadamente através de benefícios concedidos à EDP, empresa da qual o BES era um importante acionista.
De acordo com os documentos que a VISÃO consultou, Manuel Pinho e António Mexia começaram por reunir-se no dia 16 de setembro de 2005. Mas as coincidências começam a 29 de dezembro desse ano. Nesse dia, pelas 9h30, o então ministro da Economia agendou uma reunião com Ricardo Salgado, então presidente do Banco Espírito Santo. Depois, pelas 10h30, e de acordo com os dados da agenda oficial de Manuel Pinho, o governante reuniu-se com António Mexia. Ou seja, uma hora depois do encontro com Salgado. Cerca de uma semana depois, a 5 de janeiro de 2006, António Mexia – que tinha trabalhado dez anos no BES Investimento – foi nomeado presidente do conselho de administração da EDP.
Outros dos encontros relevantes para os procuradores que investigam as suspeitas de corrupção no caso das rendas excessivas da EDP (Carlos Casimiro e Hugo Neto) dão-se já em 2007. A 7 de fevereiro, pelas 18h, Manuel Pinho ter-se-á reunido com António Mexia na residência oficial do então primeiro-ministro José Sócrates. Depois, a 15 de fevereiro, novamente pelas 18h, Pinho terá agendado uma reunião com António Mexia.
Nesse dia, foi aprovada uma Resolução de Conselho de Ministros importante para a elétrica nacional relacionada, que previa a extinção dos contratos de aquisição de electricidade (CAE) – que obrigam a que toda a electricidade gerada seja vendida pelos produtores à REN – e a sua substituição pelos custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC). Estabelecia que o valor do equilíbrio económico-financeiro para cada centro electroprodutor hídrico a fixar pelo governo seria “calculado tendo por base o valor identificado em duas avaliações realizadas por entidades financeiras independentes de elevada reputação”.
Só que nesta altura, diz o Ministério Público, os relatórios da Caixa BI e do Crédit Suisse já se encontravam concluídos: o primeiro desde 29 de janeiro e o segundo desde 15 de fevereiro de 2007, quatro meses antes de um despacho conjunto, de 15 de junho, que aludia expressamente ao mesmo.
À pergunta da VISÃO sobre se teve encontros com António Mexia em 2005, antes de aquele ser nomeado presidente do conselho de administração da EDP, Manuel Pinho respondeu que Mexia “foi nomeado apenas em 2006”: “Lembro-me de ter tido um encontro com António Mexia a seu pedido em 2005, quando ele me solicitou uma audiência. Que me lembre, não tive qualquer outro encontro com ele até ser nomeado, mas já passaram quase 15 anos.” O ex-ministro da Economia nega ainda que Ricardo Salgado tenha tido qualquer interferência na escolha de Mexia para o cargo na EDP: “A nomeação de António Mexia é resultado de uma proposta de um grupo de acionistas privados do qual Ricardo Salgado não fazia parte. Recordo-me de quando, onde e como surgiu a ideia de nomear António Mexia, que teve lugar ao mesmo tempo que o modelo de governação da empresa foi mudado no sentido de contemplar um CGS com poderes muito reforçados. Vários investidores olharam para a EDP e as propostas de nomeação dos novos responsáveis pela EDP eram totalmente públicas.” Sobre se teve ou não algum encontro com Mexia e José Sócrates, na residência oficial do então primeiro-ministro, Manuel Pinho diz que, a tantos anos de distância, “seria necessário consultar as agendas” mas frisa que “o principal interlocutor do governo na EDP era o presidente do CGS, Dr. António Almeida”: “Se a pergunta se refere a ter discutido os CMEC´s ou a extensão do domínio hídrico a resposta é não.”
Já António Mexia, questionado sobre se teria conhecimento de interferências de Ricardo Salgado para que fosse nomeado presidente do conselho de administração da EDP, respondeu que o processo da sua eleição “foi conduzido entre os então três maiores acionistas privados da EDP, a saber, a Cajustur, José de Mello e o BCP e o Estado Português”: “Nos termos então acordados, a estes três acionistas privados coube proceder à indicação do Presidente do Conselho de Administração Executivo, cabendo ao Estado Português indicar o Presidente do Conselho Geral de Supervisão, o que fez, tendo designado o Dr. António de Almeida.”
Confrontado com perguntas sobre se teve encontros com Manuel Pinho antes de ser nomeado presidente do conselho de administração da EDP, ou se alguma vez teve reuniões conjuntas com Pinho e José Sócrates, António Mexia disse à VISÃO que “antes da eleição para presidente do Conselho de Administração Executiva da EDP, nunca teve contatos ou reuniões com o então primeiro-ministro”. Nos esclarecimentos prestados através do seu advogado, João Medeiros, diz-se que “não existiram quaisquer reuniões entre o Dr. António Mexia e o Dr. Ricardo Salgado ou, aliás, entre o Dr. António Mexia e qualquer outra pessoa ligada ao Grupo Espírito Santo, já que, como anteriormente referido, esta entidade não teve intervenção no processo de indicação do Presidente do Conselho de Administração Executivo da EDP”.
Depois de se ter tornado presidente da empresa de energia, Mexia diz então ter mantido “com diversos membros do Governo, entre os quais o seu primeiro-ministro, os contactos e as relações institucionais inerentes ao quadro de funcionamento da empresa, bem como as resultantes do facto de o Estado Português ser o maior acionista da empresa, com mais de 25% do seu capital social”.
Manuel Pinho foi administrador do BES durante dez anos, tendo saído do Banco Espírito Santo para assumir o cargo de ministro da Economia do primeiro governo de José Sócrates. Depois, voltou ao grupo para ser administrador de uma entidade chamada BES África, entre 2010 e 2014. A investigação do caso EDP descobriu que, apesar desse interregno, os pagamentos via Grupo Espírito Santo nunca terão cessado. Ao todo, Manuel Pinho terá recebido cerca de 2 milhões de euros via Espírito Santo Enterprises – a empresa do GES que fazia pagamentos não documentados. Só no período em que foi ministro terão sido mais de 793 mil euros.
José Sócrates e Ricardo Salgado não responderam até ao momento aos pedidos de esclarecimento da VISÃO.
As ligações entre Salgado, Mexia, Pinho e Sócrates
Recorde-se que, quando prestou depoimento como testemunha na Operação Marquês, José Maria Ricciardi – primo de Ricardo Salgado e ex-administrador do BESI – denunciou que teria sido Ricardo Salgado a indicar Manuel Pinho para a pasta da Economia do governo de Sócrates e que ambos se encontravam frequentemente enquanto Pinho foi ministro. Todos os envolvidos apressaram-se então a negar a sugestão de Ricciardi.
Em fevereiro, a VISÃO revelou o conteúdo das agendas de Ricardo Salgado entre 2008 e 2013, que foram apreendidas no âmbito do processo BES e do processo Monte Branco e estão a ser aproveitadas no processo EDP. Usando a agenda de Ricardo Salgado como guia, o ano de 2009 terminou com um jantar com o casal Pinho e com duas notas escritas dois dias depois. Numa pode ler-se: “25000/mês”, seguido de duas setas: uma aponta para “50xxx”, a outra para “50 fora”; na outra lê-se isto: “Falar Martorell [Fernando Martorell, ex-vice-presidente da Rioforte, então dona da Herdade da Comporta] sobre Ryder Cup/2018 Golf Algarve.”
Os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto, que anexaram estes dados ao processo que investiga as rendas excessivas da EDP, estão convencidos de que as duas notas estão ligadas a Manuel Pinho e que a Herdade da Comporta terá sido beneficiada quando Pinho escolheu aquele local para palco da principal prova de golfe do mundo, em 2018.
Fernando Martorell foi ouvido recentemente no processo das rendas da EDP e Carlos Beirão da Veiga e Carlos Cortês, ex-administradores da Herdade da Comporta, deverão ser ouvidos em setembro.
Sobre o torneio de golfe, Manuel Pinho disse em fevereiro à VISÃO: “Em 2010, a FPG convidou-me para chefiar o comité de candidatura de Portugal à organização da Ryder Cup em 2018. Acabou por ser escolhida a França. O comité técnico de candidatura propôs a construção de um campo na Comporta, que teria características inovadoras em termos de sustentabilidade. Fiz questão de que houvesse apoio jurídico sólido e de que se elaborassem atas com critérios de escolha e os fundamentos da decisão. Essa decisão foi submetida à aprovação da FPG. Ricardo Salgado não esteve envolvido diretamente neste projeto, que não era da área financeira do GES.”
Nas agendas de Ricardo Salgado, o nome do ex-governante e atual professor em Pequim é referido 40 vezes entre 2008 e 2013. Uma das notas enigmáticas da agenda foi escrita a 1 de março de 2010 pelo ex-líder do BES e diz o seguinte: “750xxx/671277xx António Mexia EDP (Pinho)”.
Na altura, confrontado pela VISÃO, Manuel Pinho respondeu: “Tive pouquíssimos encontros com Ricardo Salgado enquanto fui ministro, quase nenhuns.” E depois de ser ministro, acrescentou, “as nossas relações foram marcadas negativamente pela recusa em darem-me a reforma a que tinha direito em termos contratuais e estatutários, uma vez que tinha sido membro da Comissão executiva do banco durante 10 anos antes de integrar o governo e já tinha 55 anos. Em termos profissionais, o projeto do BES África acabou por não avançar. Em termos sociais, ficaram-me na memória, mas não tenho a certeza porque não registei, alguns jantares com as nossas mulheres, um em 2010 em que falámos da minha reforma, outro em 2013 quando a minha mulher se despediu do BES Art e outro creio que em 2015 a seguir ao Natal, que foi uma visita de cortesia ao casal Salgado. Desde essa altura não tivemos qualquer contacto, que me lembre.”
Através do seu advogado Ricardo Sá Fernandes, o ex-ministro da Economia Manuel Pinho fez questão de frisar que o Grupo Espírito Santo esteve “direta e indiretamente interessado em 3 grandes dossiers” que estavam sob a sua tutela, tendo-se dado “a coincidência de as suas pretensões não terem sido atendidas em nenhum: retomar uma posição acionista na Galp em conjunto com outros investidores, e os projetos do nuclear e de construção de uma refinaria em Sines, ambos liderados por Monteiro de Barros, que era membro do Conselho Superior do GES. A recusa destes dois últimos provocou críticas públicas violentas ao governo, como é sabido”: “Uma vez que nenhum deles foi atendido, nunca se colocou uma questão de conflito de interesses. Talvez fosse interessante revisitar estes processos para acabar de uma vez para sempre com as dúvidas.”
Entretanto, o Ministério Público pediu acesso a uma cópia digitalizada de todos os emails enviados entre 2005 e 2009 pelos gabinetes do ex-ministro da Economia Manuel Pinho e do ex-secretário de Estado da Economia e Indústria, António Castro Guerra. Pediu também à EDP todos os documentos sobre o programa cultural “Allgarve”, entre 2006 e 2011, projeto que terá sido financiado pela empresa de energia, e sobre o “projeto de lei sobre os recursos hídricos em Portugal” que terá sido elaborado pela BCG. É que a agenda de Manuel Pinho também revela uma reunião a 26 de fevereiro de 2007 com Luís Gravito, da BCG.