Carlos Alexandre já tinha sido chamado em agosto de 2016 ao Tribunal de Instrução Criminal para prestar declarações sobre o procurador Orlando Figueira, de quem é amigo há mais de 25 anos. Mas as procuradoras que conduziam a investigação da Operação Fizz quiseram ouvir novamente o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) e chamaram-no para uma nova inquirição no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), a 24 de Janeiro de 2017. E qual era o motivo que as levava a querer ouvir novamente aquele que ficou conhecido como o superjuiz? Tinham em sua posse a prova de uma transferência bancária que poderia comprometer Carlos Alexandre.
Tinham passado poucos minutos do início da inquirição quando as procuradoras foram diretas ao assunto e quiseram saber por que razão o juiz do TCIC tinha transferido dez mil euros da sua conta no Crédito Agrícola para a conta de Orlando Figueira, a 9 de março de 2016. Quando foi ouvido em julgamento, a 13 de março passado, Carlos Alexandre voltou a falar deste momento e contou como foi confrontado na altura com um extrato da conta bancária de Orlando Figueira e um envelope onde esse mesmo extracto vinha, ambos com o timbre do Banco Privado Atlântico Europa.
Acontece que nem esse envelope nem esse extrato bancário – onde estava sublinhada a transferência bancária feita pelo juiz – estão guardados entre os autos da Operação Fizz, como deve acontecer com todos os indícios recolhidos durante a fase de investigação. E, ao que a VISÃO averiguou, o documento também não estava acompanhado de nenhum ofício. Por essa razão, as palavras que Carlos Alexandre proferiu no julgamento não passaram despercebidas à defesa dos arguidos, que agora questionam quem terá enviado aquela informação ao Ministério Público, em que contexto e por que razão não ficou guardada. Orlando Figueira, ao que a VISÃO apurou, tenciona mesmo ir mais longe e apresentar uma queixa-crime por violação do seu sigilo bancário. Na altura, recorde-se, o antigo procurador do DCIAP já estava em prisão domiciliária (e já tinha estado em prisão preventiva) por suspeitas de ter recebido 760 mil euros em troca do arquivamento de processos contra Manuel Vicente, ex-vice-presidente de Angola.
A VISÃO pediu esclarecimentos sobre este extrato bancário ao diretor do DCIAP, Amadeu Guerra, mas não obteve esclarecimentos.
Alguns arguidos suspeitam que o Ministério Público poderá ter tido acesso a esta informação, de forma não oficial, através de Graça Proença de Carvalho, administradora do Banco Privado Atlântico Europa (BPAE) e filha do advogado Proença de Carvalho. A gestora bancária que será ouvida esta quinta-feira como testemunha na Operação Fizz é uma das administradoras que terá autorizado um empréstimo de 130 mil euros do BPAE ao procurador Orlando Figueira. À data, o advogado Proença de Carvalho representava em Portugal Carlos Silva, presidente do Banco Privado Atlântico Europa e vice-presidente do Millenium BCP. Recorde-se que, embora Carlos Silva tinha sido ouvido durante a fase de inquérito da Operação Fizz apenas na qualidade de testemunha, Orlando Figueira tem defendido em julgamento que quem o contratou para trabalhar no setor privado foi aquele banqueiro e não Manuel Vicente. Esta mesma versão foi reforçada por Carlos Alexandre em julgamento, num testemunho em que contou o que ouvira do amigo Orlando Figueira antes e depois de sair do Ministério Público. Carlos Silva, por seu turno, tem negado essas acusações. Deverá vir a Portugal em Maio prestar mais declarações em julgamento.
O que disse Carlos Alexandre ao Ministério Público
O juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal já tinha contado ao Ministério Público que aquela transferência servira apenas para repor um empréstimo que Orlando Figueira lhe fizera, em Outubro de 2015, numa altura em que o banco não desbloqueara uma tranche de dinheiro de que precisava para prosseguir com as obras de uma casa em Mação. Contou até que hesitou em aceitar esse empréstimo e que só o fez porque Orlando Figueira insistiu e o “via bem na vida”: aparentava ter “uma vida muito desafogada” pois tinha “um carro novo”, tinha oferecido um carro novo ao filho e apresentava-se sempre “muito bem vestido”.
A verdade é que já em agosto de 2016, perante a juíza Maria Antónia Andrade e a procuradora Patrícia Barão, Carlos Alexandre contou que Orlando Figueira tinha sido convidado para trabalhar em Angola por “Carlos Silva, com contactos no Banco Privado Atlântico” e para “uma firma que trabalhava na órbita da Sonangol”: “Todos estes contactos ocorrem no final de 2011, é a memória que tenho disto.” O juiz contou ainda como Figueira lhe contara como ia fazer um contrato-promessa para ficar protegido perante o seu anúncio de que iria abandonar a magistratura e como mais tarde, já entre 2015 e 2016, o amigo lhe contou como essa relação profissional iria ser terminada com a ajuda de “um distinto advogado da nossa praça jurídica da capital”: “Ele terá ido à presença do sr. dr. Proença de Carvalho. Terão chegado a um consenso qualquer a fim de pôr termo a essa relação profissional. (…) Ele dizia-me que o Dr. Proença de Carvalho tinha interagido com ele por forma a resolver estas coisas. Não sei se é verdade, ou se não é, é o que ele me disse na altura, numa das visitas ao meu filho, cá fora no átrio [do Hospital de Santa Maria, onde o filho de Carlos Alexande esteve internado]. Em que termos é que esse acordo, ou esse deslindar foi feito, confesso-lhe que eu perante… com relação a certos assuntos, e certas pessoas, prefiro até não saber, percebe?”