Manuel Pinho tinha-se demitido há menos de seis meses do cargo de ministro da Economia quando António Mexia, presidente da EDP, recebeu um email do reitor da Universidade de Columbia, nos EUA. Nesse email, enviado a 2 de dezembro de 2009, o reitor John Coatsworth informa Mexia de que, na sequência da reunião entre ambos a 20 de novembro, em Nova Iorque, se a EDP fizesse um primeiro pagamento de 300 mil dólares até ao fim do ano, a School of International and Public Affairs (SIPA) conseguiria, entre outras coisas, “pagar o salário de um professor convidado” para dar aulas durante um semestre sobre “energia e ambiente”. E a pessoa “mais bem posicionada para ocupar essa posição”, acrescentava o reitor no email, era “Manuel Pinho”.
A doação da EDP concretizou-se e o ex-governante, que saíra do Executivo na sequência da polémica cena dos corninhos no Parlamento, começou a dar aulas na universidade americana em setembro de 2010.
Este email, a que a VISÃO teve acesso, é um dos indícios usados pelo Ministério Público no processo das rendas da EDP para sustentar as suspeitas de que o ex-ministro da Economia do governo de José Sócrates terá sido colocado na Universidade de Columbia pela empresa, em troca de alegados benefícios que a EDP terá conseguido com a revisão dos contratos CMEC [Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual] e com o alargamento das concessões das suas barragens em 2007.
O governo de Santana Lopes aprovou, em 2004, um decreto-lei que estabelecia os CMEC, um sistema financiado por todos os consumidores na fatura de eletricidade e que servia para compensar a EDP pela cessação antecipada de contratos de longo prazo para a venda de eletricidade nas suas centrais. Já no governo de Sócrates – com Manuel Pinho como ministro da Economia e António Mexia como presidente da EDP – foi aprovada uma revisão desse diploma, que melhorava o preço de venda da energia estipulada três anos antes. No mesmo ano, a EDP acordava pagar ao Estado 759 milhões de euros para prorrogar o prazo de exploração de barragens, um preço que ficaria muito aquém do que o negócio valeria, segundo uma queixa apresentada em Bruxelas (e que acabou arquivada).
Pinho suspeito de…
Mal o seu nome foi envolvido no processo-crime, depois das buscas às sedes da EDP e da REN, Manuel Pinho escreveu um artigo de opinião no Público, desmentindo qualquer favorecimento: “Nunca fui favorecido pela EDP e sempre tive o cuidado de nunca me envolver profissionalmente com a empresa. Para que fique absolutamente claro, a EDP também nunca me pagou, a mim e à minha família, viagens a grandes cidades, estadas em hotéis de 5 estrelas e avenças, nem deu emprego aos meus filhos.”
Pinho foi constituído arguido a 3 de julho, numa passagem por Portugal entre as férias com a família e a ida para Pequim, onde também dá aulas. Nesse dia, a Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da Polícia Judiciária (PJ) não interrogou o ex-governante mas comunicou-lhe ser suspeito de crimes de corrupção passiva e de participação económica em negócio por “suspeitas de intervenção nos processos de cessação dos CAE [Contratos de Aquisição de Energia] e introdução dos CMEC” e por “recebimento de contrapartidas que se traduziram na doação de verbas pela EDP à Universidade de Columbia”, onde, por essa razão, teria vindo a lecionar.
Uns dias antes, o procurador Carlos Casimiro Nunes, que conduz o inquérito, às alegadas rendas excessivas da EDP, no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), deu as coordenadas à Polícia Judiciária. Estavam em causa dois factos concretos. Em primeiro lugar, a elaboração da portaria que a 15 de junho de 2007 fixara em 7,55% a taxa de custo de capital da EDP, sem que existisse “algum elemento” a suportar “esse valor anormalmente alto face ao valor indicado, por escrito, pela própria EDP, ao secretário de Estado adjunto, da Economia e da Energia, de 6,6%, poucos meses antes”. Em segundo lugar, porque na mesma data em que se fixaram as “rendas anuais fixas correspondentes ao valor inicial dos CMEC e da fixação da taxa de custo de capital da EDP em 7,55%”, os ministros do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional e da Economia e Inovação tinham estabelecido “o valor de equilíbrio económico-financeiro da extensão de todas as 26 centrais eletroprodutoras hídricas em 759 milhões de euros”.
Além disto, sublinhava o procurador, tinha havido uma doação de 1,2 milhões de dólares da EDP à Universidade de Columbia, onde Pinho tinha ido dar aulas, e não se poderia excluir que a ida para professor nos EUA fosse uma consequência de alegados benefícios dados à EDP nos tempos de ministro.
O telefonema de Columbia
Durante a conferência de imprensa que deu depois de ser constituído arguido, António Mexia admitiu que a EDP doou aquele montante à Universidade de Columbia, ao longo de quatro anos, mas adiantou ter sido a própria universidade americana a sugerir o nome de Manuel Pinho para dar aulas sobre energias renováveis.
Já a Universidade de Columbia confirmou também em junho à VISÃO que a empresa fez “uma doação à universidade para apoiar aulas, investigação, palestras e conferências relacionadas com o estudo da energia e o ambiente” e que esse contributo financeiro servira para pagar “vários membros do corpo docente da SIPA, inúmeras palestras e projetos estudantis”. A universidade não esclareceu se a contratação de Manuel Pinho estava incluída naquele pacote, mas o email a que a VISÃO teve acesso mostra que estava e que foi a primeira de seis contrapartidas práticas do financiamento da EDP a ser elencada pelo reitor da Universidade de Columbia. De seguida, foram referenciadas conferências, projetos de investigação e seminários, sem que fossem mencionados quaisquer nomes de outros professores ou investigadores.
Em setembro de 2010, uns dias depois de ocupar o lugar de professor na Universidade de Columbia, Manuel Pinho contou à Lusa como tinha arranjado o novo emprego. Disse que apenas um mês depois de ter saído do governo recebera três convites de universidades nos EUA: duas da costa leste e uma na costa oeste. E que se decidira depois de no dia dos seus anos, a 28 de outubro de 2009, ter recebido um telefonema do reitor da Universidade de Columbia a convidá-lo para ir lá.
Boicote à investigação?
O email do reitor de Columbia é citado no recurso que o Ministério Público interpôs, nos últimos dias, no Tribunal da Relação de Lisboa contra a decisão tomada pelo juiz Ivo Rosa de proibir a análise das contas bancárias e dos registos fiscais de António Mexia e Manso Neto, presidente da EDP Renováveis.
Nesse recurso, os magistrados do DCIAP acusam o juiz de instrução criminal de atacar a autonomia do Ministério Público e de boicotar a investigação, prestando um favorecimento “injustificado aos arguidos”.
“O que no mínimo se impunha, e impõe, ao sr. juiz de instrução criminal é que se abstenha de intervir indevidamente naquilo que compete somente ao Ministério Público, sob pena de se postergar o direito da comunidade em ver a matéria em causa nos autos cabalmente esclarecida, mais a mais por ser de extrema relevância”, refere o recurso a que a VISÃO teve acesso.
O juiz Ivo Rosa decidiu, a 3 de outubro, que os dados bancários e fiscais de Mexia e Manso Neto deveriam ser selados e não usados no processo. Isto porque, argumentava, a decisão do Ministério Público de levantar o sigilo bancário e fiscal daqueles arguidos não estava minimamente fundamentada.
Os procuradores discordam e, no recurso que agora apresentam, citam vários acórdãos que apoiam a tese de que o Ministério Público tem poderes para pedir estes dados às instituições financeiras e frisam não existir um meio alternativo, e menos invasivo, para obter aquelas informações, essenciais num processo de criminalidade económico-financeira. O que significa que sem aqueles dados o processo pode morrer ali. “Sem aquela [informação] o esclarecimento cabal dos factos e o apuramento de eventual património incongruente e a sua liquidação, onde se inclui a corrupção ativa, ficarão irremediavelmente comprometidos”, lamentam os procuradores.
Ao longo do recurso do processo, que já fez nove arguidos, os magistrados queixam-se de ver o juiz Ivo Rosa a dar sucessivos despachos favoráveis aos arguidos, chegando ao ponto de anular “diligências básicas” numa investigação de corrupção esquecendo que “a investigação da criminalidade económico-financeira não se compadece com visões redutoras da vida”.
Antes, a 16 de junho, o juiz de instrução já tinha impedido buscas à casa de Manuel Pinho, alegando não existirem indícios “mínimos” de corrupção por parte do ex-ministro da Economia. Dessa vez, o Ministério Público nem recorreu. Mesmo que vencesse o recurso, a diligência já tinha deixado de ser surpresa e, por isso, seria inút
(Artigo publicado na VISÃO 1288 de 9 de novembro)