Tudo terá começado no ano 2000, quando Luís Cunha Ribeiro dirigia o serviço de imunohemoterapia do hospital de São João. Nessa altura, diz o Ministério Público, Paulo Lalanda e Castro, administrador da Octapharma e ex-patrãode José Sócrates, terá começado a premiar Cunha Ribeiro “como contrapartida da sua intervenção nos concursos públicos” que beneficiaram a venda de plasma sanguíneo pela farmacêutica suíça. E assim terá continuado a fazê-lo para que o então diretor clínico continuasse “nos vários cargos públicos que fosse desempenhando ao longo do tempo” a exercer influências para que a Octapharma se mantivesse “com a exclusividade do fornecimento do Octaplas”, para que “o método de inativação viral do plasma humano português fosse o da Octapharma” e para que “as unidades e serviços hospitalares do Serviço Nacional de Saúde escolhessem preferencialmente os produtos fornecidos pela Octapharma”.
Documentos a que a VISÃO teve acesso, e que integram o processo que investiga a atribuição de vantagens a jurados dos concursos que deram o monopólio do fornecimento de plasma e derivados do sangue à Ochaparma, descrevem, ponto por ponto, todas as ofertas que Luís Cunha Ribeiro – que saiu do hospital de São João para dirigir o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e daí para a Associação Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo – terá recebido durante mais de uma década para alegadamente favorecer a multinacional farmacêutica.
Logo em julho de 2000, Cunha Ribeiro terá ganhado um duplex no Porto com dois lugares de estacionamento e no valor de 300 mil euros. Depois, ter-se-á seguido uma casa na rua Braancamp, em Lisboa, no mesmo prédio onde viveu o ex-primeiro-ministro José Sócrates. Por essa casa, propriedade da Convida (uma das empresas de Lalanda e Castro), e pelas despesas de eletricidade e água dessa morada, Cunha Ribeiro pagaria uma renda mensal de cerca de 1700 euros, renda essa que o Ministério Público diz ter sido “ficionada”.
Depois, de 2009 a junho de 2013, o ex-presidente do INEM que esteve em prisão preventiva neste processo terá usufruído de um Audi A5, o único carro registado em nome da Intelligent Life Solutions (ILS), outra empresa de Lalanda e Castro.
A lista não fica completa sem um telemóvel Samsung Galaxy, um adaptador da Nokia, um ipad da Apple, tudo no total de 1460 euros, também faturado à ILS. Sem almoços, jantares, bebidas, suportadas pelo cartão de crédito de Lalanda e Castro ou pelas empresas que integrava. E sem viagens e estadas em hóteis: uma a Londres, em janeiro de 2009, por 1449 euros; uns dias na Quinta do lago, em março de 2009, por 3480 euros; uma viagem a Boston, em julho de 2009; uma viagem a Milão um ano depois; uma viagem a Kyoto no mesmo mês de 2011 e uma viagem a Paris, em julho de 2012, em que só o alojamento terá custado 2517 euros.
Para além disto, o Ministério Público recolheu indícios de que, enquanto desempenhava cargos públicos, Luís Cunha Ribeiro terá tomado parte, entre fevereiro de 2011 e julho de 2014, na gestão e nos negócios da ILS, sendo “retribuído por isso”. Terá ainda recebido valores em dinheiro vindos das contas das empresas de Lalanda e Castro e que depositaria em contas bancárias suas ou de seus familiares, desde pelo menos 2001.
A procuradora Ana Paula Vitorino, que conduz o caso no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), não tem dúvidas de que Lalanda e Castro e Cunha Ribeiro tentaram eliminar todas as provas destas ofertas a partir do momento em que a TVI emitiu uma reportagem que levantava suspeitas sobre os concursos públicos para fornecimento de produtos derivados do plasma humano que deram posição dominante à Octapharma.
A ILS vendeu o Audi; Cunha Ribeiro deixou de habitar na casa da Braamcamp e transmitiu a propriedade do duplex no Porto aos seus dois filhos.
A procuradora Ana Paula Vitorino, que conduz o caso no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), não tem dúvidas de que Lalanda e Castro e Cunha Ribeiro tentaram eliminar todas as provas destas ofertas a partir do momento em que a TVI emitiu uma reportagem que levantava suspeitas sobre os concursos públicos para fornecimento de produtos derivados do plasma humano que deram posição dominante à Octapharma.
A ILS vendeu o Audi; Cunha Ribeiro deixou de habitar na casa da Braamcamp e transmitiu a propriedade do duplex no Porto aos seus dois filhos.
Cunha Ribeiro e Lalanda e Castro são os principais protagonistas de um processo que já fez mais seis arguidos. Dessa lista constam dois advogados e vários médicos que estiveram ligados à Associação Portuguesa de Hemofilia ou integraram o júri dos concursos que deram milhões à farmacêutica suíça. Cunha Ribeiro foi detido em dezembro de 2016 pela Polícia Judiciária, numa operação batizada de “O Negativo”. Cerca de três meses depois, ficou em liberdade. O processo, que já tem mais de 20 volumes, está na reta final.