De acordo com a Autoridade Nacional de Proteção Civil, o incêndio deflagrou, em Escalos Fundeiros (concelho de Pedrógão Grande, no norte do distrito de Leiria) dia 16 de junho, pelas 14 horas e 42 minutos. O resto é conhecido: o fogo alastrou-se rapidamente aos concelhos vizinhos, a eletricidade foi abaixo, várias aldeias foram cercadas, registaram-se (nesse e nos dias que se seguiram), um total de 64 vítimas mortais, mais de 200 feridos e 46 mil hectares ardidos. Dominado quatro dias depois (na tarde de quarta feira, dia 21), terminou com o epíteto de “o maior e mais mortal” incêndio jamais ocorrido em Portugal.
Fazer rolar cabeças teria sido a solução “mais cómoda” mas “irresponsável”, “mais fácil” mas “cobarde”, disseram, respetivamente, o primeiro ministro, António Costa, e a ministra da Administração Interna (MAI), Constança Urbano de Sousa. Ambos querem respostas ao sucedido e só depois tirar ilações. Cabeças não teriam resolvido os problemas, garantiram ambos, ontem, na Assembleia da República. Por isso, começaram a disparar perguntas. As respostas têm posto o MAI em alerta laranja. Vejamos…
As perguntas
Logo no dia 19, ainda o fogo ia a meio, António Costa (que no governo Sócrates foi titular da pasta da Administração Interna) pediu, por despacho, esclarecimentos :
> Ao Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), sobre as circunstâncias meteorológicas e as dinâmicas geofísicas no local;
> À Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) sobre o funcionamento do SIRESP (Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal) e o impacto que teve nas operações;
> À Guarda Nacional Republicana (GNR), sobre a gestão de tráfego e condições de segurança na EN 236-1 (onde morreram 47 pessoas).
As respostas
A resposta da GNR surgiu logo dia 20.
> No quadro do combate ao incêndio, a Guarda cortou “a circulação da IC8, cerca das 18h50”, passando o trânsito proveniente de Oeste a ser “encaminhado para a passagem superior”, onde existiam “três opções para os automobilistas: retroceder pelo mesmo IC em direção a Oeste; tomar a EN 236-1 em direção a Figueiró dos Vinhos; ou a EN 236-1 em direção a Castanheira de Pera”.
De acordo com a GNR, “não havia nenhum indicador ou informação que apontasse para a existência de um risco potencial ou efetivo em seguir por esta estrada (EN 236-1)”, estrada à qual se acede, notam, a partir de pequenas localidades ou propriedades existentes.
Duas notas importantes: a GNR faz questão de salientar as “dificuldades nas comunicações (todas)”, como que respondendo à questão colocada à ANPC, sobre o funcionamento do SIRESP; e a forma como “a zona foi alvo de condições atmosféricas verdadeiramente anómalas e adversas”, (como que respondendo pelo IPMA) e que, neste contexto, “o fogo terá atingido esta estrada de forma totalmente inesperada, inusitada e assustadoramente repentina, surpreendendo todos, desde as vítimas aos agentes de proteção civil”.
No dia seguinte, dia 21, conhecer-se-ia a resposta do IPMA.
> O IPMA esclarece que, tal como previra, o tempo estava “muito quente”, a “humidade relativa muito baixa, vento fraco ou moderado nos locais elevados, e com instabilidade”. E que, “no que diz respeito às “condições excecionais que determinaram situações no terreno de excecional gravidade” foram “o resultado da conjugação dinâmica do próprio incêndio e dos efeitos de instabilidade atmosférica, gerando ‘downburst’, ou seja, vento de grande intensidade que se move verticalmente em direção ao solo, que após atingir o solo sopra de forma radial em todas as direções”.
A resposta da ANPC data de dia 22.
> Relatando, numa sequência ordenada, os “principais acontecimentos e decisões operacionais”, a Proteção Civil conclui que “desde as 19:45 do dia 17 de junho até ao dia 20 de junho, se verificaram falhas na rede SIRESP” no teatro de operações” e que, “por forma a minimizar as falhas da rede SIRESP, foram utilizadas as comunicações de redundância”. Por fim, e respondendo à terceira parte da questão do PM, refere-se que “o impacto da interrupção da rede SIRESP fez-se sentir, sobretudo, ao nível do comando de controlo das operações, por não permitir, em tempo, o fluxo de informação entre os operacionais e o posto de comando, situações que foram supridas com recurso às redes redundantes já referidas, permitindo assegurar as comunicações associadas à operação.”
Mas no dia seguinte, a 23, a ANPM quis corrigir um lapso e complementar a informação, juntando a fita do tempo retirada do Sistema de Apoio à Decisão Operacional.
Nesse mesmo dia 23, já com algumas respostas na mão, António Costa profere um despacho pedindo à MAI para “providenciar, junto da Secretaria-Geral do ministério da Administração Interna e da SIRESP SA, o cabal esclarecimento do ocorrido.”
A resposta do SIRESP SA surgiria no dia 25. Em 41 páginas, era relatado o desempenho do sistema desde dia 17 até dia 22. O relatório conclui que “não houve interrupção no funcionamento da rede SIRESP”, que “das 16 estações base que cobrem a zona do incêndio”, cinco “entraram em modo local”. Dá conta de se terem realizado mais de 100 mil chamadas entre as 19h de dia 17 e as 9 de dia 18; e mais de um milhão e 100 mil desde o início do incêndio. Conclui ainda que a “rede SIRESP correspondeu e esteve à altura da complexidade do teatro de operações” e “funcionou de acordo com a arquitetura que foi desenhada para esta rede” (frase que repete nas conclusões). Por fim, faz um conjunto de recomendações.
As contradições
A resposta da Secretaria-Geral do MAI (responsável pela gestão, manutenção e fiscalização do SIRESP) chegaria, por sua vez, a 26. Refere, entre outras coisas, que “a ANPC, ao verificar que a situação se estava a tornar excecional, requisitando mais meios de combate ao incêndio, deveria também, em simultâneo, ter solicitado preventivamente a mobilização da estação móvel em tempo útil”; que a SG “não poderia ter a real noção dos problemas operacionais no terreno sem ser alertado pela ANPC”, que “não estava informada que a estação móvel confiada à PSP já se encontrava na oficina” e que “as duas estações móveis confiadas à ANPC ainda não estão equipadas com ligação satélite, pelo que não seriam uma mais-valia para esta operação.”
Perante as “incongruências naquilo que a Secretaria–Geral disse”, a ministra Constança Urbano de Sousa mandou, logo nesse mesmo dia 26, instaurar uma “auditoria por parte da Inspeção-Geral do MAI por uma razão muito simples. A Secretaria-Geral do MAI não podia ignorar que uma antena tinha de ser reparada” e a outra tinha sido mandada para inspeção, disse, na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Liberdades e Garantias, na qual foi ouvida. A situação relatada “é inconcebível”, considerou.
A IGAI agora tem 30 dias para entregar o relatório de auditoria. Entretanto, António Costa anunciou ter posto de parte do concurso público para a aquisição das duas antenas em falta. Já foi dada ordem para que o equipamento seja adquirido por ajuste direto.