Estamos a 29 de setembro de 2013, noite de eleições autárquicas.
O independente Rui Moreira acaba de ser eleito, com surpresa, para presidente da Câmara do Porto, e segue para uma festa privada na Foz, em casa de Francisco Ramos, dirigente do PSD e mandatário financeiro da sua candidatura. À mesma hora, Rui Rio, o antecessor, janta em casa do psiquiatra e amigo Carlos Mota Cardoso. Os Ruis falam ao telefone. O eleito recebe os parabéns do homem que está de saída após três mandatos e ambos dizem palavras de circunstância. Separa-os, porém, mais do que os dez minutos de carro entre as duas moradias.
Nunca tinham sido amigos – não o são, de resto – mas os cenários autárquicos tinham-se afunilado de tal modo que foram obrigados a sentar-se à mesa e delinear um plano que, só no papel, era idêntico. Respondendo à afronta do seu próprio partido, Rio queria impedir o arquirrival Luís Filipe Menezes de alcançar a autarquia que ele se gabara de pôr nos eixos ao longo de uma dúzia de anos. Moreira dispunha-se a servir o objetivo, mas a pensar em voos mais altos. Na noite em que o plano resultou nas urnas, acabaram tão distantes como no passado. E na euforia da vitória, nem Rui Moreira foi ao beija-mão, nem Rio o pediu.
Passaram quase quatro anos e tudo, ou quase tudo, mudou.
Luís Filipe Menezes desapareceu do mapa político. Até ver.
Rui Moreira prepara-se para fazer da reeleição um passeio. Agora até leva o PS atrelado e, entre sociais-democratas, admite-se mesmo que alguns antigos candidatos nas listas de Menezes também lhe declarem apoio.
Quando, este sábado, 8, o economista Álvaro Almeida apresentar a sua candidatura à Câmara do Porto na Fundação Engenheiro António de Almeida, Rui Rio deverá estar na sala a aplaudi-lo, reconciliando-se assim com o partido, cuja direção acusou, em 2013, de afrontar os seus mandatos autárquicos escolhendo Menezes. A mesma direção, com Pedro Passos Coelho à cabeça, estará presente na sessão. Talvez também José Pedro Aguiar Branco, que apoiou o ex-autarca de Gaia há quatro anos, motivando o afastamento por parte de Rio em relação ao amigo de décadas. Serve isto para dizer que o PSD está unido? “Não, mil vezes não!”, diria o poeta. Quando Álvaro Almeida subir ao púlpito, uma parte da sala, incluindo, talvez, o próprio Rio, estará já a pensar no dia seguinte às eleições autárquicas de 1 de outubro e nos possíveis cenários para ajudar Passos Coelho a terminar a sua liderança com dignidade, em caso de esmagadora derrota autárquica a nível nacional.
O Porto que os separa
No caso do Porto, o também independente Álvaro Almeida parte com o estatuto de derrotado por antecipação. Nos bastidores, porém, dirigentes e militantes do PSD gostam de lembrar que Rui Rio chegou à presidência da autarquia, em 2001, do mesmo modo, ou seja, sem valer um tostão furado na “bolsa” das apostas eleitorais.
Mas se Álvaro Almeida espera alguma ajuda pública de Rui Rio, bem pode esperar sentado. O antigo presidente da Câmara do Porto – e putativo candidato à sucessão de Passos – deverá participar na sessão deste sábado, mas dificilmente alguém ouvirá uma palavra da sua boca ao longo de toda a campanha. Apesar de, em círculos privados, comparar o mandato de Rui Moreira a um desastre de proporções idênticas às do Titanic, Rio não vai alimentar comparações entre o seu passado e o primeiro mandato do atual líder da autarquia. “Fica ao critério de Rui Rio decidir o que fará até às eleições, mas uma coisa garanto: ele está de alma e coração com esta candidatura”, assume à VISÃO Miguel Seabra, presidente da concelhia do PSD/Porto, antecipando, para sábado, uma sessão “como há muito não se vê” a nível autárquico. “O PSD aparecerá unido à volta do Porto e do seu candidato”.
A tarefa do economista escolhido para enfrentar Moreira, antigo quadro do FMI em Washington, é do tipo “missão impossível”. Para Miguel Seabra nem tanto. “Se pensam que estas eleições vão ser um passeio para o atual presidente, desenganem-se”, avisa o líder da concelhia social-democrata. Em que baseia ele este otimismo moderado? “Há muitos militantes do partido que votaram Rui Moreira que se sentem enganados e voltaram agora para apoiar o PSD a 200 por cento”, adianta, reforçando. “O Porto está bom para os turistas e para quem cá vem beber uns copos. Se ao fim de quase quatro anos, as críticas já fizeram estalar o verniz ao presidente, revelar a sua arrogância e má criação, o que não se verá nos próximos anos se ele for reeleito”, antecipa, acusando Moreira de liderar uma coligação autárquica que se assemelha a uma…“salgalhada” por comparação com a chamada “geringonça” que uniu a esquerda: “Estou à vontade para falar, pois, enquanto presidente da junta de freguesia de Paranhos, fiz um acordo com a CDU conciliando ideias em torno da ação social, mas a candidatura de Rui Moreira é puramente eleitoralista: junta o PS, a direita pura e os PSD´S envergonhados”.
Já o atual mandatário de Álvaro Almeida, António Tavares, considera a candidatura de Rui Moreira “um grande equívoco”. Atual provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto – e uma das personalidades sondadas para uma candidatura à autarquia – Tavares compara o PS ao bacalhau com todos, do Porto ao Funchal, “desde que seja para ganhar”. Quanto a Moreira, tem muito para explicar: “Não cumpriu várias promessas e não explicou cabalmente o seu envolvimento no caso Selminho”, assinala, referindo-se ao acordo celebrado pela empresa detida por Rui Moreira e um dos irmãos com a autarquia e que visou a autorização de construção num terreno próximo da ponte da Arrábida ou, em alternativa, o pagamento de uma indemnização se esse direito não fosse reconhecido no âmbito da revisão do Plano Diretor Municipal.
Até ao final de abril, Álvaro Almeida deverá apresentar o cabeça-de-lista à assembleia municipal e os candidatos às juntas de freguesia da cidade, deixando a constituição definitiva da lista para junho ou julho. Com João Semedo (BE) e Ilda Figueiredo (CDU) a entrarem também na liça, Rui Moreira vai estrear-se a provar, em campanha eleitoral, o fel das oposições. E a caravana, passa?