Jorge Sampaio abordou pessoalmente Álvaro Cunhal antes de avançar com uma coligação entre PS e PCP para Lisboa. Só uma boa relação entre os dois líderes permitiu que a geringonça fosse montada e desse frutos. Para a olear, Sampaio contou sempre com o apoio político de Cunhal e nem as divergências naturais entre socialistas e comunistas – que levaram a muitas reuniões internas bastante acesas – foram suficientes para evitar que Sampaio protagonizasse a primeira coligação entre PS e PCP, neste caso para a câmara de Lisboa em 1989.
Quase trinta anos depois, António Costa repetiu a fórmula – ele que tão de perto acompanhou os esforços de Sampaio e o seu engenho para manter a geringonça de Lisboa a funcionar. Uma leitura atenta do segundo volume da biografia de Jorge Sampaio, de José Pedro Castanheira – que chega às bancas a 20 de março – mostra muitas coincidências entre o que foi a construção daquela coligação em 1989 e, agora, o acordo que António Costa conseguiu firmar com PCP, BE e PEV para governar o País.
O guião que Costa seguiu está ali, em 1989. Sampaio usou um amigo que tinha no PCP – Carlos Brito – para abordar a questão. “NO PCP fui a primeira pessoa a quem ele falou da sua intenção”, conta o antigo militante do PCP, que foi depois falar com Álvaro Cunhal que “ficou entusiasmado com a ideia”.
Os dois encontram-se depois a só, por várias vezes, na casa de um amigo comum, o médico Joaquim Seabra Dinis. É aí que Cunhal percebe que num momento em que era o PS a propor um acordo, o PCP só teria a perder se dissesse que não. As delegações dos dois partidos sentam-se à mesa para negociações duras. Mas os dois líderes encontram-se amiúda para “cimeiras secretas de que praticamente ninguém sabe”, conta Carlos Brito. De um lado e e outro, uma certeza: “só com grandes dirigentes é que isto era possível”, diz o comunista António Andrez.
O acordo entre os dois partidos acaba por ser assinado a 23 de julho de 1989, no Hotel Altis e a vitória chega a 17 de dezembro. Mas desde o primeiro momento que Sampaio soube que não poderia ambicionar um acordo PS/PCP a nível nacional, com eleições legislativas para 1991. Garante que nem o tentou: “jamais foi encarada. Era impossível”, conta Sampaio.
Em 1991, PCP e PS defrontaram-se a nível nacional. Mas em 1993, Jorge Sampaio conseguiu voltar a repetir a coligação em Lisboa. Agora em 2017 o cenário deve ser um pouco o inverso: entenderam-se a nível nacional, mas para as autárquicas deste ano será cada um por si.
Há mais coincidências para assinalar. O apoio dos comunistas foi um “fator de pacificação das relações laborais”. “O Sindicato da Câmara de Lisboa nunca fez uma greve connosco”, conta João Soares, vereador à data.
Tal como agora com Costa no Governo, também Sampaio antecedia sempre as sessões de câmara com uma reunião de coordenação entre os dois partidos. “Era um petit-comité, destinado a limar eventuais divergências”, conta Rui Godinho, o número 1 do PCP na câmara à data. Discutiam antecipadamente todos os assuntos, em especial aqueles que pudessem provocar crispação. Um pouco o trabalho que agora Pedro Nuno Santos, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, tem à mesa das negociações com as equipas de Mariana Mortágua e Pedro Filipe Soares, pelo Bloco, e Jorge Cordeiro e João Oliveira, pelo PCP.
“Não me canso de dizer que fui o penhor da coligação. Foi devido a mim que aquilo funcionou. Quando era necessário ia falar com o Cunhal, e os dirigentes do Comité Central conversavam comigo sempre que era preciso. Talvez não tenha grande jeito para gestor no sentido económico ou empresarial do termo, mas tenho jeito para gestor político – e aguentar aquela malta toda não foi nada fácil”, conta Jorge Sampaio.
Estará a ser agora para António Costa?