Foi uma das decisões mais polémicas de Miguel Macedo enquanto comandou os destinos da Administração Interna: com o argumento da poupança, o então ministro decidiu extinguir a Empresa de Meios Aéreos (EMA), a empresa de capitais públicos responsável pela gestão e operação de seis Kamov e três helicópteros ligeiros. Consequentemente, houve um novo concurso público e a operação e manutenção das aeronaves passou para uma empresa privada comprada pelo empresário Domingos Névoa, a Everjets. No tempo da extinta EMA, a parte da manutenção estava a cargo de outra empresa: a Heliportugal.
Só que a nova empresa responsável por operar e manter os helicópteros concluiu que aqueles meios não estavam em condições de voar. Os problemas começaram aqui. Uma auditoria conjunta entre a Everjets e a ANPC detetou mais de 200 desconformidades: como a VISÃO relatou em Abril, havia falhas de segurança resolvidas com remendos, paus ou fita-cola. Nalguns casos, foram mesmo relatadas “falhas graves de manutenção”.
Consequentemente, depois de pagar mais de 67,2 milhões de euros pela manutenção dos helicópteros, e de investir cerca de 20 milhões de euros em peças (extracontrato de manutenção), o Estado foi obrigado a gastar mais 2,7 milhões de euros na reparação de helicópteros para que nem todos estivessem parados na época de incêndios.
Em abril deste ano, por exemplo, dos seis Kamov do Estado, só três estavam operacionais. Recuperar outros dois tinha um custo extra de 8 milhões de euros.
Ninguém obrigou a Heliportugal a pagar as reparações. E a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) assinou um documento, dando a garantia de que, dado o mau estado das aeronaves, a Everjets também não teria penalidades. A fatura foi toda directamente para o Estado. Com que fundamentos? Em Abril, a VISÃO colocou essa questão à ANPC, que adiou respostas por estar em curso um inquérito, entretanto aberto pela Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI).
Em Junho de 2015, a ANPC anunciou que apenas um dos cinco helicópteros do Estado estava operacional e não dava garantias de que outras aeronaves estivessem disponíveis para combater os incêndios desse ano, porque duas pediam “intervenções mais profundas”.
A situação, dizia a ANPC, explicava-se por durante o processo de transferência dos Kamov, iniciado em Março, terem sido detetadas “não conformidades graves no estado das aeronaves” que ditaram “a impossibilidade de os helicópteros estarem em plenas condições de serem operados”.
A ministra da Administração Interna não gostou do que ouviu e determinou à IGAI a abertura de um inquérito, devido à “gravidade de tais factos” e as suas consequências “em termos financeiros”. Uns meses depois, suspeitas de corrupção na contratação de meios aéreos, entre outros crimes, levaram uma equipa da Polícia Judiciária e do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa a uma série de buscas. Um dos alvos foi a sede da Proteção-Civil.
Nunca se percebeu se a ANPC, entidade responsável pela aeronavegabilidade quando a manutenção estava nas mãos da Heliportugal, tinha ou não conhecimento dos defeitos nas aeronaves, se alertou para esses defeitos e se exigiu reparações para que pudessem estar aptos a voar. E se tinha conhecimento porque razão não informou a tutela e permitiu que se avançasse um novo concurso público.
Agora, mais de um ano depois da abertura do inquérito, as conclusões do relatório da IGAI – classificado de reservado pelo MAI e já enviado ao Ministério Público – tiveram consequências imediatas: o major-general Francisco Grave Pereira, presidente da ANPC, apresentou a demissão.
Segundo avançou o Público, o relatório concluiu que a Proteção Civil não terá acautelado os interesses do Estado no processo de transferência dos Kamov. Mais: teria violado gravemente o seu dever de zelo, razão pela qual o seu presidente deveria ser alvo de um processo disciplinar. Ao que a VISÃO apurou, o relatório não se concentra apenas na transferência das competências de uma empresa para outra. Há também indicação de terem sido cometidas falhas no processo de extinção da EMA.