E se a Caixa Geral de Depósitos fosse um clube de futebol? E se em vez de querer manter-se na tranquilidade do meio da tabela ambicionasse ser campeão? Estranha comparação, dirá o leitor. Nem por isso. Em época de defeso futebolístico, a metáfora é do próprio governador do Banco de Portugal e serviu para Carlos Costa explicar o porquê da Caixa Geral de Depósitos precisar de uma recapitalização.
Essa necessidade é, aliás, um dos objetos da comissão de inquérito à CGD, sede na qual estava a ser ouvido. E Carlos Costa não podia ter sido mais claro: o valor que venha a ser decidido para a recapitalização do banco público – que oscila entre os 3 e os 5 mil milhões de euros – “depende da estratégia de restuturação que o acionista pretende realizar, da missão que tenha e da rapidez que queria seguir”.
No fundo, é como o clube de futebol que em íncio de epóca tem que decidir se contrata ou não o melhor treinador do mundo e traz Cristiano Ronaldo para a equipa ou se tenta a sorte apenas com reservas. Se escolher a primeira opção, tem que ter um “porta-moedas” adequado a essa ambição. Usando as palavras de Carlos Costa: Se estamos num momento do defeso do clube desportivo, se quiser contratar um treinador de primeiro escalão, tem que ter um porta-moedas à altura da sua ambição. Tem que colocar de um lado a ambição e do outro os recursos”.
E a Caixa, segundo o governador, deve seguir o caminho das outras instituições, repensando ”o seu modelo de negócio” e restruturando-se “para responder a futuro do banco e atingir níveis de rendibilidade exigiveis por parte dos invsetidores”. Deu como exemplo a necessidade de modernização tecnológica num contexto de uso do sistema financeiro que mudou nos últimos anos.
Mas numa comissão de inquérito onde se nota a cada frase a delicadeza política e de estabilidade financeira de estar a escrutinar um banco em atividade plena, a troca de acusações tem sido fértil entre oposição e partidos que suportam o governo. E também foi mais uma vez explicado, desta vez até pelo próprio governador, que o facto de esta comissão ser sobre um banco em atividade e não em resolução, como foi o caso do BES ou do Banif, implicará um dever de sigilo profissional e bancário bastante superior. Constrangimentos que levaram o presidente da comissão Matos Correia a anunciar diligências para perceber até onde será possível os deputados terem acesso à informação que necessitam.
Caixa está “adequadamente capitalizada”
Nos últimos meses a Caixa tem estado no centro da polémica e das dúvidas. As notícias sobre imparidades, necessidades de capital, dificuldades e turbulência na sua gestão têm sido variadas. Carlos Costa não perdeu por isso a oportunidade de colocar alguma tranquilidade na discussão, até porque a Caixa é “o pilar da estabilidade financeira”. Garantiu que a Caixa “satisfez sempre todos os requisitos prudenciais aplicáveis até 2014”, em todos os exercícios de supervisão feitos pelo Banco de Portugal, “até à entrada em vigor do mecanismo único de supervisão”. Que hoje mesmo, ela “satisfaz os rácios prudenciais”. “A CGD está adequadamente capitalizada. Precisa de capital para fazer face a novos desafios e para fazer face a uma reestruturação”, sublinhou.
O banco tem, ainda assim, confirmou o governador imparidades assumidas entre 2010 e 2015 de “4.585 milhões relativas a créditos” e de “1.971 milhões relacionadas com participações financeiras” da CGD. Um total de 6,5 mil milhões de euros.
Em termos de qualidade de crédito, Carlos Costa diz que a Caixa, no que toca a crédito de risco “está melhor” que o resto do sistema. E “em termos de cobertura de crédito em risco está só ligeiramente pior”.
Governador não desmente intenção da troika de privatizar a CGD
Os partidos trocaram acusações sobre quem mais tem feito declarações inconsequentes que têm prejudicado a Caixa. Foi Passos Coelho no passado, quando questionou o atraso da Caixa em reembolsar o Estado das ajudas? Foi Mário Centeno ao referir-se ao desvio “enormíssimo” que descobriu na Caixa? Ou foi o PSD ao constituir esta comissão de inquérito ou “autópsia a um banco vivo”, como acusou o PS? Carlos Costa demonstrou um grande jogo de cintura, fruto de muitas horas que já leva nestes inquéritos parlamentares desde que é governador, e fugiu quase a dar respostas polémicas ou que pudessem ter leituras políticas.
Quase, porque houve um tema em que não resistiu aos elogios. Não desmentindo que houve durante o programa de assistência financeira uma tentativa da troika para privatizar a Caixa. “Durante uma negociação é natural que surjam ideias mais ou menos afastadas do interesse nacional. Os negociadores da parte portuguesa souberam salvaguardar o interesse nacional e o interesse de alguns países terceiros onde a CGD tem uma posição importante”, disse Carlos Costa.
Mais tarde voltou a registar que “a Caixa foi muito bem defendida” nas negociações com a troika, referindo-se em particular ao trabalho do então ministro Teixeira dos Santos.
PSD e CDS incomodados com planos de António Domingues
A informação de que António Domingues, que assumirá em breve funçoes como presidente da Caixa, está já a preparar um plano B de recapitalização do banco, com uma proposta de 5 mil milhões de euros, em articulação com a Mckinsey provocou críticas de PSD e CDS. Carlos Costa Neves, da bancada social-democrata, quis saber se o Banco de Portugal forneceu a Domingues dados para fazer este trabalho, que alegadamente ocorre já desde fevereiro de 2016. E Cecília Meireles tentou perceber se foi dado ao futuro presidente da CGD informações confidenciais, não estando ele ainda em funções.
Carlos Costa passou as responsabilidades para o Mecanismo Único de Supervisão, a quem cabe acautelar conflitos de interesses e salvaguardar deveres em matéria de tratamento de informação. “Estou seguro que tomou as devidas cautelas”, garantiu o governador.
O PSD não se convenceu e diz que vai enviar uma carta ao supervisor a garantia de que foi acautelada a confidencialidade.