No dia em que os ministros das Finanças europeus decidiram avançar com o processo que pode determinar sanções a Portugal, a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques, dá uma entrevista à VISÃO refutando os argumentos da Comissão Europeia. Promete contestação do Governo nacional e espera que haja da parte do colégio de comissários “bom senso para que a decisão que venha a tomar não cause problemas quer à economia em Portugal, quer ao sistema financeiro, quer à imagem do sistema financeiro nos mercados internacionais”.
O Ecofin decidiu aplicar sanções a Portugal. Como é que o Governo vai responder?
Portugal vai continuar com a mesma linha de argumentação. Consideramos que as sanções são injustas e que não fazem sentido, quer do ponto de vista da evolução orçamental, como do ponto de vista da evoluçao política europeia. O que Portugal vai fazer agora é enviar a sua defesa, o seu direito ao contraditório e expor quais são os argumentos pelos quais entende que não deve haver sanções efetivas.
E que argumentos são esses?
Não podemos tomar medidas que tenham impacto sobre o período a que estas sanções se reportam. Ficou muito claro que elas têm a ver com 2013-2015. O tempo não pode voltar para trás. Entendemos que é injusto, porque Portugal fez tudo aquilo que a Comissão Europeia e troika lhe pediu, executou todas as medidas. E a troika considerou que tinha havido uma saída limpa. A execução orçamental de 2016 está no bom caminho e a Comissão Europeia aceitou o Orçamento do Estado para 2016. Vir agora aplicar sanções para esse período parece excessivo.
Podem ser necessárias medidas adicionais?
O ministro das Finanças já disse claramente que não há discussão para fazer mais exigências e em momento nenhuma foram solicitadas medidas adicionais. Possivelmente chegaremos a dezembro de 2016 a continuarão a perguntar-nos se vai haver medidas adicionais. O que podemos dizer hoje é que face à execução orçamental e aos indicadores existentes, seja o investimento, etc,tudo leva a crer que conseguiremos executar o orçamento tal como está, sem necessidade de medidas adicionais. O que é facto é que as medidas adicionais não foram solicitadas.
Esta decisão coloca uma pressão maior sobre o Orçamento de 2017?
O OE/2017 terá que ser objeto de negociação tal como o de 2016. É um exercício difícil. Temos que respeitar os nossos compromissos nacionais e os compromissos europeus internacionais.
Do relato que recebeu da reunião do Ecofin, qual é a sensibilidade em Bruxelas relativamente à multa que deve ser aplicada a Portugal?
É a comissão que, face à argumentação de Portugal, cabe agora fixar o montante das sanções. O que temos ouvido, nomeadamente do vice-presidente Dombrovskis, é a hipótese de reduzir a multa a 0%. O que vamos argumentar é que a execução orçamental está no bom caminho. Não há nada que possamos fazer que possa agir no período 2013-2015. Esperamos que da parte da Comissão haja bom senso, para que a decisão que venha a tomar não cause problemas quer à economia em Portugal, quer ao sistema financeiro, quer à imagem do sistema financeiro nos mercados internacionais.
Mas há já um risco reputacional, mesmo que as sanções venham a ser 0%?
Mas a Comissão, mesmo no próprio texto, diz que Portugal está a executar corretamente o orçamento de 2016. Há esse factor e é aí que há um efeito perverso. Porque fazemos parte do euro, temos regras que temos que cumprir. A questão é a capacidade de interpretar essas regras, face ao atual contexto e à eficácia das sanções. Se tem efeito positivo ou negativo.
Trata-se de uma humilhação?
O senhor Junker quando iniciou o mandato desta comissão disse que ela seria uma comissão mais política. A decisão do colégio de comissários resultou de uma aplicação técnico-jurídica, sem ter em conta o contexto político. A Comissão perdeu uma oportunidade de mostrar que é uma instituição política, com caráter político como lhe compete.
António Costa falou numa “primeira vitória importante da diplomacia portuguesa”. Viu isso como um elogio?
Oiço isso como o reconhecimento do trabalho que todos fizemos. Todos os que têm responsabilidades a todos os níveis fizeram o que estavam ao seu alcance para moderar este processo. Todas as pessoas que têm acesso às intituições, que se podem apoiar em redes contatos, todos usaram esses recursos.
Qual tem sido o seu papel?
Falar com os membros da Comissão. Identificar com quem é que devemos falar, em que momento. Mas esse também foi o papel dos meus outros colegas de Governo. Fizeram um trabalho imenso.
A informação que chega de Bruxelas sobre a nossa relação com as instituições europeias é dominada pelas más notícias. Défice, sanções, etc. Onde estamos a falhar?
De facto a imagem da presença de Portugal junto das instituições europeias, que passa em Portugal, dá a ideia que a nossa única relação com a Comissão Europeia se limita a divida, défice, sanções, etc. E não é verdade. A presença de Portugal nas instituições europeias é imensa, quer do ponto de vista dos ministros nos conselhos de ministros, quer do ponto de vista dos eurodeputados, etc. Nos programas inovação. No horizonte 2020, na Educação, nos Assuntos Sociais. Portugal tem presença muito ativa na definição de todas essas políticas. De facto, a imagem da nossa presença em Bruxelas, dá ideia contrária. É mau para o Governo, mas também para a imagem da UE em Portugal.
Há muita gente na Europa a querer que esta geringonça falhe?
Não sei se é nestes termos. É uma solução que não é maioritária no contexto da União Europeia. Por outro lado, está determinada em mostrar que há uma alternativa à política austeritária seguida pelo anterior Governo e que foi a receita imposta pela UE. É evidente que temos que fazer um percurso longo para conseguirmos mostrar que essa alternativa existe ao nível europeu.
Mas quando fala com a sua rede de contatos europeia não sente desconfiança?
Hoje em dia, quer junto dos meus pares, secretários de Estado e ministros europeus, quer com comissários europeus, sinto que há uma confiança no Governo. Seja pela nossa presença nas políticas europeias, seja pela determinação que sempre expressamos de respeitar as nossas responsabilidades, há progressivamente uma confiança no Governo e em Portugal e no empenhamento no processo de construção europeia.
Faz sentido falar de referendo à Europa nesta fase?
Não faz qualquer sentido. Não apoiamos a proposta do Bloco de Esquerda
Brexit – que riscos?
Estive com o meu homólogo britânico na semana passada e com o presidente da Comissão de Assuntos Europeus na Câmara dos Lordes para perceber as vias que se estavam a desenhar. Há uma questão que é preciso ter em conta: enquanto Estado-membro da UE, o Reino Unido teve sempre uma posição muito especial. Há imensas orientações europeias que não se aplicam ao Reino Unido . Por outrolado, não participou normalmente no que são as cooperações reforçadas, seja no euro e em Schengen. O que pode acontecer é que se ponha na posição simétrica. Estava dentro, fora de algumas políticas. Agora pode estar fora, dentro de algumas políticas. É aí que a questão se vai discutir. Os 27 foram claros que mercado interno sim, mas com as quatro liberdades, incluindo livre circulação. Há mais imigrantes de países terceiros no Reino Unido, do que Imigrantes dos Estados-membros. E há mais emigrantes britânicos nos 27, do que emigrantes dos 27 no Reino Unido. A questão da mobilidade foi usada abusivamente durante a campanha do referendo. No caso do Reino Unido é preciso destacar que o referendo foi e é um problema nacional. Cameron teve do lado dos 27 uma atitude de enorme solidariedade ao oferecerem um pacote para se defender. Idêntica solidariedade esperamos agora. O resultado do referendo do Reino Unido tem mais a ver com a relação entre Reino Unido e UE, do que com a UE em si. O que não significa que não aproveitemos a oportunidade para discutir a Europa, para que a União responda mais às expetativas dos cidadãos.
Será uma oportunidade para abanar a Europa?
Tem que ser.