Desde quando é que Mário Nogueira aplaude a prestação de um ministro da Educação?” À pergunta de Miguel Morgado, vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, responde-se com factos: desde que Tiago Brandão Rodrigues está à frente do Ministério da Educação, a cumprir o programa de um governo socialista, com o apoio do Partido Comunista, do Bloco de Esquerda e d’Os Verdes.
A Educação é uma das pastas mais expostas do Governo. À oposição partidária, o detentor da pasta tem ainda a oposição dos sindicatos e, em particular, da Fenprof. Mas desde a tomada de posse de António Costa que se assiste a uma inversão do que vem sendo prática: ministro e Mário Nogueira (líder do sindicato) estão em plena sintonia, com PCP e BE a desejar que Brandão Rodrigues resista à pressão pública à volta dos (novos) contratos de associação com escolas do Ensino Particular e Cooperativo. No Parlamento e fora dele, PSD e CDS estão sozinhos, no ataque à 5 de Outubro. Bem-vindo ao tempo da geringonça.
Ter o líder da Fenprof a dar “nota positiva” ao ministro foi inédito. E quando, três semanas depois, Nogueira se pôs do seu lado na revisão dos contratos de associação, Passos Coelho e Assunção Cristas insinuaram que o Governo estava ao serviço de “outros” interesses – os da Fenprof, confirmariam mais tarde. À VISÃO, Miguel Morgado (que, desde que foi assessor político de Passos, conhece bem a dificuldade de ter paz nas escolas) foi menos brando: “Este ministro tem prestado um mau serviço à Educação mas está alinhado com uma das prioridades do Governo: garantir que, no essencial, a Fenprof e o PC podem levar por diante a sua agenda.”
A turbulência é grande, na 5 de Outubro. Brandão Rodrigues é alvo do primeiro grande ataque a um membro deste Governo. E se é verdade que os sindicatos o têm poupado, também é verdade que a direita vê nele “o elo mais fraco” da equipa de António Costa e a figura perfeita para tentar desgastar o Executivo. O governante mais badalado nas casas de família, que vem de fora do PS, foi anunciado como uma das grandes apostas independentes do primeiro-ministro para renovar a política. Pode não ter o aparelho partidário no seu ADN, o que é sempre uma desvantagem quando as coisas não correm tão bem, mas tem a geringonça a formar uma “muralha de aço” à sua volta, com Catarina Martins a dizer que é importante que o ministro “resista” e Jerónimo de Sousa a aplaudir, no Parlamento, as medidas anunciadas. Por tudo isto, e apesar de toda a pressão, Brandão Rodrigues tem resistido ao desgaste. Mas até quando pode um ministro ser segurado por um chefe de governo?
Mais ‘gaffes’ e casos de justiça
Noutros tempos, os ministros eram demitidos se demonstrassem “problemas de performance”, “divergências de política” com o primeiro-ministro (PM), “conflitos intrapartidários”, se cometessem “erros pessoais” ou se vissem envolvidos em “escândalos financeiros”. Estas (e outras) razões foram catalogadas, por esta ordem, num estudo sobre “A escolha de ministros na Europa” entre 1976 e 2005. Portugal, onde na altura da publicação do estudo se assistia à “primazia de independentes”, foi entregue ao politólogo António Costa Pinto que, repensando no assunto, garante que hoje em dia as demissões se devem cada vez mais a gaffes ou problemas com a Justiça. À memória, vem o caso dos “corninhos” de Manuel Pinho ou, mais recentemente, das “bofetadas” prometidas pelo ministro da Cultura, João Soares, a Augusto M. Seabra e a Vasco Pulido Valente (na categoria das gaffes). Ou o caso de Miguel Macedo, então na Administração Interna, abalado pelo caso dos vistos gold – posteriormente constituído arguido por suspeitas de corrupção e branqueamento de capitais (na categoria casos de Justiça).
Tal como Pinho, Brandão Rodrigues é partidariamente independente e politicamente inexperiente, o que, de acordo com Costa Pinto, o coloca mais facilmente na coluna do “pode cair”. Contudo, não tem feito mais do que cumprir o programa do Governo – e o “alinhamento” com o PM é visto, em S. Bento, como o maior seguro de vida de um membro do Executivo –, o que pesa bastante, na coluna do “é para aguentar” na equipa. Deste lado não há, portanto, demissão à vista. A não ser que Brandão Rodrigues, desgastado, cansado (como em tempos esteve Correia de Campos, na Saúde), tome a iniciativa…
Uma demissão é raramente recusada. Paulo Portas e o famoso episódio “irrevogável” terá sido caso único, na história recente. Dessa vez, o parceiro de coligação de Passos não teve hipóteses. Mas outras houve em que quem não teve escolha foi Passos – Miguel Macedo não lhe deixou margem para recusas, tal como, no início de 2001, Jorge Coelho não deu abertura para António Guterres não o deixar sair, na sequência do acidente de Entre-os-Rios.
A força dos alinhados
O núcleo duro de um primeiro-ministro é o mais difícil de dispensar. É desse espaço reservado que saem as diretrizes para toda a governação, soluções para os problemas que vão surgindo, se gerem crises e sucessos. Se uma demissão numa pasta difícil (como a Educação ou a Saúde) é segurada até ao limite ou camuflada numa remodelação (para, como diz Costa Pinto, “não dar imagem de cedência na política do Governo”), uma saída do núcleo duro fere a essência do próprio Governo e a força do seu líder. Só pode acontecer em casos limite como o de Miguel Relvas e os escândalos com que marcou o governo da direita – foi segurado até ser obrigado a dizer que não tinha mais “força anímica” para se manter ao lado de Passos. Mário Nogueira, que lidera a Fenprof há 25 anos e já viu passar muitos inquilinos pela 5 de Outubro, sabe bem que ministros setoriais vão e vêm. O seu alvo é, por isso, o núcleo duro. Em vez de avaliar o ministro – “este ou outro não está em roda livre a fazer o que lhe apetece. Está num ministério, dentro de um governo” –, prefere avaliar a política para o setor. Mesmo com o Governo a dar “os primeiros passos – tem dois meses de tempo útil de trabalho”, dá nota positiva “à política”.
Sobre o ruído à volta dos contratos de associação, refere a existência de “interesses instalados e inconfessáveis” na Educação, que estão a ser “postos em causa” com a mudança do governo. Já os da Fenprof, garante, são claros: “Defesa da escola pública, defesa da qualidade de ensino, defesa dos professores e dos seus direitos.” Serão coincidentes com os do ministro, como acusaram Passos e Cristas? “O ministro não tem política, mas o programa do Governo atual aponta para a defesa inequívoca da escola pública”, diz Nogueira. “Seria uma frustração se o Governo, agora, não cumprisse o compromisso com o eleitorado, a posição conjunta com outros partidos e o que está no seu programa”, concluiu.
Brandão Rodrigues pode ser independente, inexperiente e estar à frente de uma das pastas mais expostas do Executivo, mas o elogio que a geringonça e os sindicatos lhe fazem é que só está a cumprir o programa do Governo, de aposta na escola pública. Por mais que a oposição insista que este é “o elo mais fraco” e invista as suas forças na sua saída do Executivo, Brandão Rodrigues está alinhado com António Costa.
Será esta “muralha” suficiente para que Costa o aguente, contra a pressão da Igreja, do PR e até de autarcas do PS que não querem perder, nos seus concelhos, o apoio dos colégios privados? Na terça, o ministro sofreu novo ataque. A associação dos colégios saiu do ministério “indignada” e “perplexa” com a decisão apresentada: 39 colégios não vão abrir novas turmas em início de ciclo, 19 terão de reduzi-las. Só 21 poderão manter a oferta. Este fim-de-semana, está marcada uma manifestação em Lisboa (na qual está confirmada a presença de deputados e dirigentes do PSD e do CDS), e o grande visado é o ministro. Por estes dias, resta-lhe demonstrar que não será um “ativo tóxico” para o Governo.
Recorde casos anteriores: Fica ou sai?
Demitir ou não demitir depende de muitas coisas: se é um ministro setorial ou político, do partido ou independente, se está a fazer um bom trabalho na pasta, se a imagem passa…
Maria de Lurdes Rodrigues – Educação
Introduziu medidas que levaram milhares de professores várias vezes para a rua. Sócrates aguentou-a durante quatro anos, ao fim dos quais Maria de Lurdes Rodrigues saiu… porque quis
Nuno Crato – Educação
O matemático que um dia quis implodir o ministério da Educação acabou por se aguentar à frente da 5 de outubro durante todo o mandato de Passos Coelho
Paulo Portas – Negócios Estrangeiros/Vice-PM
Foi quem ofereceu a maioria absoluta a Passos Coelho. Mas a meio do mandato, usou a bomba atómica, apresentando a sua demissão irrevogável. Passos recusou
Fernando Gomes – Administração Interna
Homem forte do PS-Porto, só ficou 11 meses na equipa de Guterres. Uma onda de assaltos a gasolineiras, mal-estar com os touros de “Barrancos” e críticas dentro e fora do PS forçaram a demissão
Leonor Beleza – Saúde
Foi aguentada até ao limite por Cavaco, mas acabou por sair do governo em 1990, quando o caso dos hemofílicos contaminados com sangue infetado com o vírus da sida se tornou insustentável
Martins da Cruz – Negócios Estrangeiros
Esteve 18 meses na equipa de Durão Barroso. Teve de pedir a demissão duas vezes, na sequência do alegado pedido de favorecimento da sua filha no ingresso ao ensino superior