O quarto dia da visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Moçambique tem sido marcado pelo statement que tem repetido ao longo da manhã: “eu não sou presidencialista”.
O Presidente disse-o no final da visita ao Mercado Municipal de Maputo e repetiu-o na Escola Técnico-Profisisonal S. Francisco de Assis, em Marracuene. Queria, certamente, dar resposta às posições que os líderes do Bloco de Esquerda e do PS assumiram nas moções que levarão, em junho, aos respetivos congressos.
Na moção que levará à 10* Convenção do BE, em finais de junho, Catarina Martins é clara com a acusação, ao dar conta da “presente tentativa de presidencialização do regime político, que marca o início mandato do novo PR”. Já António Costa, mais discreto, dedica meia página o documento estratégico que levará ao congresso de 3 a 5 de junho à necessidade de “dignificar o Parlamento e devolver-lhe um papel central” no funcionamento do sistema político.
No Mercado Municipal de Maputo, além de chá, caju com chocolate, um cachecol de Moçambique e uma cabeleira (carapinha), o Presidente recebeu, como presente, uma bengala de pau preto, esculpida. Marcelo agradeceu, dizendo que seria muito útil quando fosse mais velho. Mas provocado por um jornalista, para quem a bengala poderia servir para outros fins, Marcelo disse “eu sou um pacificador e um pacificador não tem tentações presidencialistas.”
Menos de uma hora depois, a 30 quilómetros dali, repetia a ideia, na Escola Técnico-Profisisonal S. Francisco de Assis. Numa oficina de construção, experimentou fazer um bloco de cimento. Depois de encher a forma, o formador transmitiu a Marcelo que tinha de fazer força com a pá, para compactar o cimento. O Presidente obedeceu, dizendo ao mesmo tempo “Força! Força! Mas eu sou um homem de afetos, não um presidencialista!”
A mensagem estava irremediavelmente passada, naquela escola técnico-profissional básica apoiada (como outras 50) pela cooperação portuguesa. A de S. Francisco de Assis tem perto de 800 alunos, distribuídos pelas vertentes de padaria, turismo, serralharia, carpintaria, construção ou eletricidade, 200 dos quais em regime de internato. Na padaria, foi convidado a amassar o pão e não resistiu a uma graçola política. Ouviu que tinha de amassar da esquerda para a direita. “É o que eu faço”, disse, “esticar à esquerda e esticar à direita. A esquerda está mais resistente, a direita está agora mais suave.” Gerida pelas Irmãs Franciscanas, é apoiada, desde 2001, pela cooperação portuguesa (Instituto Camões e Ministério da Segurança Social) e pela Fundação Portugal África, ligada ao BPI.
E se a mensagem do dia foi a de que Marcelo não é presidencialista, a imagem, essa, foi no mercado. Marcelo mergulhou no Moçambique profundo. Comprou grelos, especiarias e cajus. Beijou mulheres, pegou crianças ao colo. Embalou-se no ritmo das músicas e saltou para o lado de lá das bancas, onde trocou dicas com a senhora, portuguesa, do talho – o fígado faz bem aos anémicos. Mas a imagem do dia, não haja dúvidas, foi a da banca do peixe.
Antes disso, Marcelo tinha recebido, do presidente da Câmara, David Simango, a chave da cidade. Recebeu-a na mesma sala onde o sue pai a havia recebido, a 23 de julho de 1968. Nesse dia longínquo, Marcelo estava numa das últimas filas daquela sala onde se “projetam anos de história comum”. Com a chave da cidade, seguiu a sugestão do autarca, seguiu com a agenda do dia, sentindo-se maputense de pleno direito. Para Portugal, se se mantiver fiel às orientações do edil, transportará memórias frescas, o aprofundamento da relação entre os dois países e “o odor das acácias e jacarandás de Maputo.”