Depois de anos de suspeita pública, Paulo Portas foi finalmente chamado a responder a perguntas sobre a aquisição de dois submarinos pelo Estado português aos alemães, em Abril de 2014, na qualidade de testemunha. Já na reta final do processo que acabou arquivado, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) tinha 21 perguntas a fazer ao então vice-primeiro-ministro. Portas – que esta semana anunciou que não se vai recandidatar à liderança do CDS – preferiu responder presencialmente. A saga de perguntas e respostas acabou por estender-se durante dois dias.
Paulo Portas explicou aos procuradores que foi decidido retomar o processo de aquisição dos submarinos devido ao “alto grau de degradação em que se encontrava o equipamento militar, designadamente os submarinos”. “Considerando os constrangimentos de natureza financeira que na altura já se faziam sentir, a opção tomada foi reduzir o número de bens a adquirir e restringir a margem destinada à locação”, explicou Portas, que à data da aquisição dos submergíveis era ministro da Defesa.
Segundo o ex-vice-primeiro-ministro estaria tudo a ser preparado para incentivar os concorrentes a apresentarem propostas “cujo preço fosse substancialmente mais vantajoso para o Estado”. Havia um interesse “manifesto” dos governos alemão e francês, pelo que terá feito “diversos contatos políticos” e contactado “diretamente, por uma ou duas vezes, os representantes dos concorrentes com vista a obter a sua aquiescência quanto ao novo modelo concursal”. Esses contactos, garante Portas, terão sido sempre “institucionais, acompanhados sempre pelos advogados do ministério”.
Já em matéria de contrapartidas, sempre entendera que a situação do Estado português “era frágil” porque só tinha sido regulamentada em Novembro de 2000. Terá tentado posteriormente colmatar essas “deficiências”. Confrontado com o facto de terem sido feitas degradações técnicas no valor de aproximadamente 19 milhões de euros referiu que as negociações foram efetuadas em bloco e que em nenhum momento a Marinha lhe terá comunicado “que as reduções nalguns equipamentos poriam em causa as missões essenciais dos submarinos”.
Escolheu a data de 21 de Abril de 2004 para celebrar os contratos de aquisição e contrapartidas por entender que “as negociações já se arrastavam há demasiado tempo” e porque, no seu entender, todas as questões que se haviam levantado durante as negociações “se encontravam perfeitamente consensualizadas na manhã da celebração” do contrato. As negociações ter-se-ão arrastado durante cinco meses porque “o bem submarino é muito complexo”, o valor do contrato era “elevado”, o contrato de financiamento “assumia desafios inovadores para o Estado português” e “era preciso garantir o crivo de legalidade externa e interna no que diz respeito ao financiamento”. Recorda que as negociações foram “difíceis” e que a parte alemã “tentava maximizar o seu ganho, devendo a parte portuguesa agir em defesa do interesse do Estado”.
Confrontado pelos procuradores Júlio Braga e Josefina Escolástico com a diferença entre a fórmula de revisão de preços constante da BAFO (Best and Final Offer) e aquela que veio a constar do anexo 15 do contrato de aquisição disse não se recordar “que os advogados do Estado lhe tivessem transmitido a ideia de que a alteração da fórmula de revisão de preços correspondesse a uma alteração substancial e que pusesse em causa o equilíbrio contratual” e afirmou ainda desconhecer quem foi o autor da dita fórmula.
Paulo Portas acrescentou ainda ter feito todos os esforços para não repetir os erros que a Grécia havia cometido na aquisição de submarinos, pretendido para isso usar um modelo de financiamento “que não tivesse impacto no défice” até à recepção dos submergíveis e cláusulas financeiras que não fossem “leoninas para o Estado”.
Perguntado sobre a razão de ter escolhido o consórcio CSFB-BES, disse que a lei “permitia uma escolha direta da entidade financiadora” e das “respetivas condições”, mas terá decidido endereçar convites a dez entidades financeiras e exigido “uma segunda volta” com o objetivo de conseguir “um spread mais favorável”. Quando os consórcios finalistas apresentaram as suas propostas o factor preço apontaria para uma proposta mais favorável daquele consórcio. Esse cenário, lembra, só terá sido alterado mais tarde. De qualquer forma, sublinhou Portas, em igualdade de circunstâncias, se fosse preciso decidir apenas do ponto de vista político, elegeria como “condição indesejável ter entidades da mesma nacionalidade no financiamento e no fornecimento (neste caso, alemães”).
E não considerou o parecer do secretário-geral do Ministério da Defesa Nacional – que considerou irrelevante a diferença de preços e entendeu que a proposta do Deutsche Bank era mais consistente por já ter experiência no acompanhamento de situações idênticas junto do Eurostat?, perguntou o Ministério Público. Portas disse ter ponderado todos os factores. “Mas para mim a questão do spread era prioritária”, contou, antes de dizer que não se recordava de a questão da subida do spread lhe ter sido comunicada quando estava no estrangeiro. Nem tampouco se lembrava de contactos com altos responsáveis do BES para resolver aquele ponto.
Esta parte do depoimento de Portas contrasta com o depoimento, já avançado pela VISÃO, de Bernardo Carnall, ex-secretário-geral do Ministério da Defesa, que testemunhara cerca de um ano antes, a 7 de Maio de 2013. Carnall contou aos investigadores que quando se apercebeu de que algumas cláusulas previstas nos anexos aumentavam o risco de os custos futuros virem a ser, afinal, bastante mais altos do que a proposta do Deutsche Bank (inicialmente, um consórcio que o BES integrava apresentava um spread de 19,6 pontos base e o Deutsche Bank um de 26 – o equivalente a 0,26%) terá de imediato suspendido uma reunião e ligado para Paulo Portas, que se encontrava fora do país. Quer Carnall, quer o advogado Bernardo Ayala, que estaria ao seu lado, terão dito ao telefone que, do ponto de vista jurídico, não havia enquadramento algum que suportasse a decisão de adjudicar por um valor superior ao apresentado pelo Deutsche Bank, que perdera a corrida. “E que fazê-lo violaria a lei.” Segundo Carnall, o impasse de última hora terá levado a telefonemas para figuras então de topo no BES como Ricardo Salgado e Amílcar Morais Pires. Portas disse não se recordar daquele alerta nem de conversas com os responsáveis do Banco Espírito Santo. Acrescentou ainda que, se tivesse a intenção de beneficiar algum consórcio, não teria aberto “um leilão de propostas”, nem pedido “uma segunda volta” para baixar spreads nem considerado prioritário desde o início um spread mais baixo para o Estado.
Os procuradores guardaram duas perguntas sensíveis para o final do segundo dia de inquirição. Teria Portas a intenção de instituir uma fundação? Portas negou. Tal como negou ter sido convidado, depois da sua saída do Ministério da Defesa, para trabalhar na Heritage Foundation ou ter qualquer relacionamento pessoal com alguém daquela fundação. Terá tido um convite para trabalhar na área das relações internacionais, sim, mas não naquela instituição.
Já em relação às conversas telefónicas com Abel Pinheiro, no ano de 2005, com alusões ao “Luís das Amoreiras” e a “compromissos”, Portas limitou-se a remeter para a decisão final proferida pelo tribunal de 1ª instância nesse processo conhecido como Portucale. “O Dr. Abel Pinheiro, bem como demais cidadãos, militantes do CDS que foram arguidos e absolvidos, têm direito ao seu bom nome e a tese de um alegado favorecimento do BES não vingou nem poderia vingar em tribunal”. A última frase não poderia encaixar melhor na sua situação atual: Portas quis acrescentar que “as matérias relativas à sua sucessão no CDS são de natureza política”.