O ex-líder da CGTP, Manuel Carvalho da Silva, salienta que as negociações à esquerda têm apanhado muita gente desprevenida, mas não são novidade para os manuais de Ciência Política. “Em negociações complexas sobressaem as capacidades de liderança solitárias, capazes de fazer a aproximação de pontos distantes. António Costa interpretou bem isto. Neste quadro, a liderança solitária é importante. Quem conduz o processo não tem um grupo a suportá-lo, mas procura fazer a articulação dos diversos grupos», disse Carvalho da Silva à VISÃO, recordando os princípios Clássicos de qualquer negociação:
1. Boa-fé de todas a partes
Inclui-se aqui a necessidade de cedência
2. Respeito mútuo
Sem abdicar de uma estratégia própria, disponibilizar o máximo de informação possível. Procurar o equilíbrio entre a manutenção da tática e a disponibilização de informação
3. Percurso feito de etapas que se vão consolidando
Uma negociação é um processo progressivo de conquistas. Por vezes, é preciso começar pelas coisas mais simples. Mas outras vezes também se impõe começar pelo mais difícil
4. Tática
Lançar posições progressivamente, de forma a conquistar avanços de um lado e do outro
5. Partilha Comum de Valores
A Direita não está a querer aceitar a constatação de que no plano dos valores o absolutismo da austeridade criou fatores de aproximação nas forças (a esquerda). Gerou-se um quadro novo de identificação de valores, devido ao grande consenso sobre a irracionalidade das políticas de austeridade. Houve quadros de valores que se revolucionaram, a partir da noção comum de que a democracia é atingida pela austeridade
Francisco Seixas da Costa, ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus e, atualmente, professor de diplomacia e negociação internacional destaca dois momentos essenciais do atual quadro político: “Primeiro quando o PS pensou que poderia ser suficiente juntar-se ao Bloco. Depois quando o PC se mostra disponível. Este último foi um momento histórico”.
Para o ex-diplomata, o atual cenário de uma coligação à esquerda só se põe devido ao «esmagamento do centro» causado pelo radicalismo das medidas de austeridade.
O silêncio, o compromisso, a pressão e o acordo escrito serão os pontos negociais decisivos.
1. Silêncio
O ambiente discreto das negociações é essencial para o êxito das negociações. Só quando elas não são verdadeiras é que podem dar-se ao luxo de ser comentadas. Percebi que não havia negociação séria com o PSD e o CDS quando faziam anúncios à saída de cada reunião com o PS.
2. Compromisso
A negociação só existe com disponibilidade para o compromisso e ela começou quando Jerónimo de Sousa diz: “O PS só não é Governo se não quiser”. Esta negociação deve ter sobretudo linhas vermelhas – o limite até onde se está disposto a ir. Isto é especialmente importante para o Partido Comunista, que tem agregado a si as estruturas sindicais. Nesse sentido, o PC terá de disponibilizar-se para esquecer um pouco aquilo que é a sua agenda.
3. Pressão
Quando Catarina Martins divulga os avanços da negociação está a criar forma de depois poder dizer “isto fomos nós que conseguimos”. E pressiona o PC. Quando o presidente do PS, Carlos César, declara que aprova o orçamento da coligação se não conseguir chegar a acordo com os outros partidos de esquerda, está a exercer uma pressão objetiva sobre o PC. E isso é um elemento claro de negociação.
4. Escrito
Quando o PC der o “sim” ao acordo terá de levá-lo à prática, e isso implica dizer aos sindicatos: “Agora, quietos!” A porta sindical é a chave de todo este problema. Não duvido que o PC queira assumir compromissos, mas terá de passá-los a escrito. Isso é o culminar de uma verdadeira negociação. E será mais sólida se terminar num acordo único entre os três partidos.