Recebeu a VISÃO no primeiro dia do segundo mandato como provedor. Quer que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa reduza a dependência financeira do jogo e efetue parcerias nas áreas da saúde privada e do turismo. Aos 58 anos, Pedro Santana Lopes diz-se mais sereno e mais ?feliz. E garante que ninguém o põe ?a correr, por correr, à Presidência ?da República.
De que medida se orgulha mais, no primeiro mandato como provedor?
Quis integrar a Santa Casa (SC) no século XXI, com uma ligação ao tecido social mais conseguida. Hoje, a SC já não trabalha só com “pessoas sinalizadas”. Fizemos um levantamento exaustivo das pessoas de idade, dos sem-abrigo, vamos abrir um espaço de acolhimento temporário, no Cais do Sodré. Às vezes, a ligação ao Estado cria uma certa rotina… Mas já não tenho a pretensão de mudar tudo. Se mudar um bocadinho, fico muito satisfeito.
E quais são, agora, as prioridades?
Ligar a SC à realidade do País. Já assinei um acordo com a União das Misericórdias. Às vezes, temos falta de lugares para pessoas carenciadas, quando há lugares noutras misericórdias… E para trabalharmos juntos também em matéria financeira. Não nos damos bem conta do que está a mudar, no País e na Europa. O redesenhar de fronteiras entre o Estado e este setor é uma tarefa gigantesca, que exige outro tipo de atuação. Não sabemos onde tudo isto vai acabar, mas sabemos as consequências que já tem.
Herdou muitos equipamentos da ?Segurança Social, sem aumento de verbas. Como faz esse milagre?
Obriga a dizer “não” a alguns caminhos. Já temos €100 milhões investidos nessa nova realidade. Se, no fim do regime transitório, dissesse que não queria mais, quem pagava eram as pessoas que lá estão… A SC está bem, mas a questão da sustentabilidade coloca-se. 75% das receitas vêm dos jogos. É uma dependência grande. Tenho obrigação de procurar alguma diversificação.
O jogo online é uma alternativa?
E estamos também a estudar investimentos noutras áreas. Admitimos participar no capital de entidades com uma boa situação económica que podem ajudar a SC a rentabilizar algumas das suas atividades. Na saúde, por exemplo, temos sido procurados para parcerias várias.
A compra da Espírito Santo Saúde?
Não, mas podia ter acontecido. Procuraram-nos para a privatização dos HPP e fomos à primeira fase, mas depois achámos que a SC não estava preparada para explorar opções novas com a segurança necessária.
E no turismo?
Já muitas pessoas nos pediram espaços para hotéis. Mas devemos fazer uma gestão criteriosa, porque há um património de atividade, que tem mais a ver com a nossa área, e um de rendimento. O imobiliário é uma área onde a SC vai procurar alargar as suas fontes de financiamento.
Três anos de mandato não é curto?
Não gosto de me queixar. Começo hoje outro mandato. Tenho dois anos e 364 dias e a capacidade de não querer que os frutos apareçam no tempo do meu mandato. O que mais gostava de fazer, com um “estalar dos dedos”, era mudar a maneira como se olha e se lida com o envelhecimento. Demora muito… mas não podemos, por causa disso, desistir.
O número de dirigentes cresceu 23 por cento? Fez da SCML o estado-maior santanista?
Aumentou, sobretudo, nas áreas do jogo e da ação social. Não conheço qualquer deles. Mas, agora, conheço a SC “botão a botão”, como dizia a minha mãe, e quero reduzir as chefias.
A SC mudou a sua forma de ver o ?mundo e o papel do Estado?
Aumentou o meu grau de conhecimento dos problemas reais.
Está mais liberal ou mais social-democrata?
Tenho fama de liberal, mas sempre fui mais social-democrata. Hoje, sou muito mais firme na defesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Temos estado no tempo do fechar, da contenção. Mas o Estado, procurando acabar com o défice crónico do SNS, tem de saber que esta é uma área onde tem de estar.
As escolas também estão a fechar…
O que é preocupante é a desertificação do território. É a escola, o tribunal, os CTT… É o esquecimento. Não conheço outro país com um desequilíbrio tão grande. É um caminho absolutamente errado. Sai menos caro investir em infraestruturas do que o custo do desenraizamento das populações. Um dia vamos acordar para as consequências. E vamos levar décadas a recuperar.
Fala disso aos decisores políticos?
Sou muito formal, no exercício das funções. A pessoa do Governo com quem mais falo é o primeiro-ministro. Talvez devesse falar mais… Mas sei que há umas pessoas que não deviam ter decidido nada sobre Portugal sem conhecer o País: os senhores da troika. Como é que não detetaram o que se passava no BES?
Quem manda hoje: o poder económico ou o poder político?
É suposto ser o poder político. Mas o poder económico tem muita força. Hoje, é muito difícil sair dos standards, romper. Tudo o que aparece fora dos cânones é considerado populista. Não estranho que, um dia destes, chamem populista a Draghi, que teve a coragem de propor um bocadinho de pensamento alternativo. Faz-me impressão este comboio em andamento, que deve ter escrito no destino “deserto” ou “precipício” ou “nowhere”.
Como vê a gestão do caso BES?
Causou-me estranheza. Transmiti-o a quem de direito e escrevi que não estava de acordo que Portugal fosse a cobaia desta nova diretiva. A Europa vive em estado permanente de emergência, até no pensamento.
Mas tivemos também falhas na ?supervisão, indefinição política…
Demos um salto no escuro, e as várias instituições têm receio. Eu sou um europeísta, mas a UE faz-me muita confusão no estado em que está. ?Andamos sempre no fio da navalha.
Como lida com a informação oficial de que o País está a recuperar em matéria social e de emprego?
A realidade com que lido todos os dias está fora das estatísticas. Os subsídios, este ano, estão a aumentar 50 por cento. As pessoas precisam de conhecer a realidade. Trabalhar sobre a ficção leva à explosão social.
Chefiou um Governo de coligação…
… Não gosto nada, hoje em dia, de falar sobre esse tema…
As coligações são um mal menor?
É mais fácil governar sozinho. Mas a maioria absoluta também tem contras. Pela minha experiência, devia dar uma resposta diferente… Foi muito difícil, a começar pela posse e a careta do dr. Paulo Portas, sobre um assunto de que ele sabia até à exaustão.
PSD e CDS devem concorrer coligados?
Falarem disso, a um ano das eleições, faz com que cheguem lá exauridos. E acho que os dois partidos ganham em mostrar a sua identidade própria.
E como vê a pulverização da esquerda?
É o fruto dos tempos. Há uma renovação ideológica que não foi feita. Hoje, a ideologia mais à direita está a ser posta em causa pela crise dos últimos cinco, dez anos. Só que a da esquerda tem 20, 25 anos.
São essas dinâmicas que originam fenómenos como Marinho e Pinto?
Isso pode acontecer pela Europa fora. Entidades indefinidas, movimentos político-sociais dificilmente enquadráveis. Temos de nos preparar, porque vêm aí tempos diferentes. A Europa ou evolui muito, para algo parecido com uma confederação, ou cai.
O PS lançou as primárias…
É um esforço para chegar às pessoas. Vai ser bom, vai obrigar os outros partidos a pensar. O PCP também está a renovar os seus quadros. Há sinais de vitalidade num sistema político que, às vezes, parece estar sem respiração. A direita ainda está no processo de se aperceber de que aquilo que a alimenta – o pensamento liberal, capitalista, a lógica de funcionamento do sistema financeiro – está em crise.
Qual o melhor líder do PS: Costa ou Seguro?
Os dois são bons. Tenho uma boa relação institucional com António Costa. E uma boa relação pessoal com o António José Seguro. Acho que Seguro tem vocação para secretário-geral (SG), não sei se tem para primeiro-ministro (PM); Costa tem para PM, não sei se tem para SG.
Há um ano, excluía voltar à política. Conta levar o mandato na SC até ao fim?
Conto.
Sendo certo que em política…
… não se pode dizer nunca.
A sua felicidade não passa por Belém?
Isso não! Ser feliz é poder ter serenidade. Eu estou bem como estou, não quero introduzir fatores de agitação na minha vida. Por mim, não vou mudar a situação. Dou-lhe a minha palavra de honra.
Já fez um pouco de tudo. Falta-lhe a passagem por Belém…
Acho que não sou importante, no tempo em que vivemos. Não quero dar uma resposta dura, mas acho que isso está fora de agenda.
Só se for da sua…
A minha intenção é cumprir o mandato. Belém não pode ser um projeto de currículo. Eu já não corro por correr.
Com o seu percurso, não pode dizer “agora estou aqui, não faço mais nada”.
Se estivesse aqui a pensar que ia sair daqui a um ano, não era capaz. É contra a minha natureza. Não sei o que diria o dr. Guterres sobre o lugar de alto-comissário para os refugiados…
Está a acabar o mandato…
O dr. Durão Barroso também… ?O dr. António Costa desviou… ?O prof. Marcelo é presidente ?da Casa de Bragança…
Qual seria o seu candidato?
Não sei, não tenho preconceitos. Defendo que ou o Presidente preside ao Conselho de Ministros ou o poder de dissolução, quando há maioria, deve ser delimitado. Já defendia isto antes de Sampaio… Quem for para Belém tem a obrigação de clarificar o estatuto presidencial. Mas admito que apareça alguém que me faça dizer “tenho todo o gosto em apoiá-lo”. Hoje, é muito desagradável estar na política. Tenho a minha vida profissional estabilizada, estou bem, e, quando as pessoas estão bem, só devem mudar por razões muito fortes de serviço à comunidade.
Está à espera de uma vaga de fundo?
Não. Isso é muito pretensioso.
Na escolha de um comissário europeu, é mais importante o nome ou a pasta?
Sou absoluto defensor de Carlos Moedas e acho que vai fazer um bom lugar. Atacam-me por elogiar José Sócrates em matéria de ciência, inovação, o plano tecnológico… Mas esta área pode ter um efeito de alavanca muito importante. O pelouro foi uma boa surpresa. Pode ser muito bom para Portugal.